Introdução
O projecto em que fui inserida denomina-se “Museu da Terra”. Tem o intuito de unir esforços, entre a Câmara Municipal de Tavira (CMT), a Direcção Regional de Agricultura do Algarve (DRAALG), o Museu Nacional da Etnologia (MNE) e o Instituto Superior de Agronomia (ISA) para poder, através da abertura deste museu, permitir a existência de um local que retrate a agricultura e as paisagens agrícolas. Este museu ficará situado no antigo Posto Agrário de Tavira, junto à Estação Ferroviária de Tavira e a sua abertura está prevista para a primavera de 20081.
Uma das frentes de acção deste projecto prende-se com a pesquisa, recolha e inventariação de documentos bibliográficos, testemunhos visuais e orais, de modo a permitir caracterizar, o mais rigorosamente possível, o contexto de uso dos objectos. Assim, o desígnio do meu estágio, consistiu em cooperar na inventariação de um vasto espólio que integra colecções de pesos e medidas, balanças, ferramentas, mobílias e objectos utilizados no controlo metrológico, alguns com marcas de aferição e outros que possivelmente teriam sido apreendidos pelo aferidor, visto que não eram legalmente reconhecidos.
A par desta tarefa mais técnica de inventariação museológica, procurei, através de uma abordagem etnográfica, desenvolver um trabalho de reconstituição interpretativa dos quadros sócio-culturais e ideológicos que contextualizaram os usos quotidianos dos objectos ligados ao comércio tradicional, que estão a ser musealizados e integrados no espólio do Museu da Terra.
A preocupação central, subjacente à definição deste objecto de pesquisa, passa por fazer emergir a semântica do património museológico, ou seja, apresentar os objectos como símbolos de um período histórico e representações culturais de um povo. Mais que um local onde se expõe o património pelo seu simples valor facial, o museu deverá assumir-se como um ambiente evocador de memórias, preocupando-se não só em preservar materialmente os objectos que vai recebendo, como também em reconstituir e mostrar aos seus visitantes as vivências dos seres humanos que deles se serviram. Os museus serão, assim, o espelho da comunidade e uma janela aberta para a observação e reflexão sobre os problemas dos grupos humanos (Saraiva, et all, 2003).
A vantagem de ter uma antropóloga no museu está inerente ao facto desta procurar as memórias vivas daqueles para quem estes objectos fizeram parte do seu quotidiano e tentar interligá-los com o seu actual contexto de uso. Consciente da importância de explorar a dimensão sócio-antropológica do património museológico, fui tomando os objectos que ia inventariando no museu como ponto de partida, procurando, na medida do possível, chegar à sua “ecologia social” – o mercado do concelho – e aí (tentar) aceder às memórias e, nalguns casos, às práticas relativas aos seus usos. É de notar que ainda se utilizam alguns pesos e medidas semelhantes aqueles que estão a ser inventariados no Museu da Terra, tais como balanças semi-automáticas, pesos, medidas de capacidade de madeira e de folha.
Partindo do material etnográfico que reuni, neste processo de pesquisa dinâmica entre o museu e o mercado, procurarei, ao longo deste trabalho, analisar a interacção social existente entre os actores económicos e o público e a assimilação deste grupo às normas sociais e simultaneamente a fuga às normas legislativas. Assim, e uma vez que durante a inventariação das peças me cruzei com pesos cuja capacidade representada não correspondia ao peso real e a medidas de capacidade com fundos falsos, considero pertinente desvendar as formas utilizadas pelos comerciantes para deturpar a medição e saber o porquê da persistência destes na utilização de sistemas de medição tradicionais, actualmente considerados ilegais.
Através desta pesquisa pretendo compreender e perceber o sentido que o indivíduo atribui à sua conduta e interpretar/explicar o significado, a organização e o sentido das irregularidades das condutas dos comerciantes de um mercado tradicional.
Ao longo deste projecto, será salvaguarda a identidade dos entrevistados visto que as informações alcançadas nesta investigação pode acarretar problemas para os mesmos. Por este motivo, a informação recolhida neste Município e editada pelo mesmo, será ocultada de modo a preservar o contexto de estudo.
Este trabalho encontra-se dividido por sub temas, que nos proporcionam uma viagem entre o Museu da Terra e o Mercado Municipal.
I - Principais coordenadas de análise do problema
Durkheim e Weber (in Raud, 2003: 2) expõem uma posição muito explícita relativamente à posição do actor económico no mercado e a contribuição deste para a construção de normas sociais, que vão ao encontro do tradicionalismo e do papel social, económico e político que rege os comportamentos dos intervenientes na interacção mercantil. Estes autores alertam-nos também para a necessidade de analisar o papel das instituições e da regulação do mercado, visto que estes aspectos nos ligam aos comportamentos adoptados neste espaço. Weber (in Raud, 2003: 2) considera que o mercado pode ser regulado de forma tradicional, convencional, jurídica ou voluntária, sendo assim, os comerciantes podem interagir em conformidade com a tradição, as regras morais e jurídicas, e o papel do Estado de modo a atingir os objectivos pessoais.
Nas transacções económicas são estabelecidos vínculos entre os actores, pois como veremos nesta investigação, os comerciantes têm em consideração a forma dos outros transaccionarem os produtos e as exigências do público. Por tudo isto, a análise do mercado deve ser conduzida às inter-relações entre a esfera económica e as outras esferas sociais, estabelecendo vínculos entre os interesses pessoais e as normas sociais (Durkheim e Weber in Raud, 2003: 2).
Granovetter2 considera que é necessário analisar o funcionamento dos mercados tendo em conta a interacção social, que influência não só os interesses pessoais como o estatuto, poder e sociabilidade entre os intervenientes. A interacção social também contribui para que haja uma cumplicidade nas escolhas, dado que a “acção económica está incrustada em redes de relações sociais que colocam os indivíduos em contacto uns com os outros”3.
As transacções comerciais também são regidas por normas legais instituídas pelo Governo, as quais suprimem, muitas vezes, as normas sociais. As normas jurídicas, formalizadas através de leis precisas e escritas, impõem limitações na utilização de pesos e medidas e na forma de transaccionar esses produtos. Porém, as normas sociais, simbolizadas pelos usos e costumes desta comunidade, promovem o desvio às normas legais visto que nem sempre o que nos é incutido no seio de um grupo são valores legais.
Nas transacções comerciais são aceites e valorizados comportamentos que promovam um maior lucro, criando a fraudulência sobre o público pois, tal como refere Stuart Mill (in Raud, 2003: 3), a esfera económica da actividade social está relacionada com o desejo de riqueza. Por conseguinte, os intervenientes na acção económica incentivam as ilegalidades e contribuem para que esses comportamentos sejam seguidos pelos actores económicos, fazendo com que os mesmos assumam uma posição moral e vistam uma forma institucional, visto que se tornam mais respeitadas as normas sociais do que propriamente as normas legais. Becker (in Campenhoudt, 2003:79) considera que determinados comportamentos são sancionados pela lei mas são perfeitamente admitidos e por vezes valorizados em certos grupos.
Durkheim (in Rowland, 1997:30) revela que o social é constituído pela integração de indivíduos numa comunidade moral de significações, devendo o social ser explicado em conformidade com as leis sociais.
Os actores sociais são definidos pelas suas características comuns, que neste caso concreto pode consistir na obtenção de um maior lucro. Assim, a partir do momento em que um indivíduo é inserido num grupo tem de se adaptar às normas que regem essa comunidade, podendo estas ser legais ou ilegais.
A aceitação de normas ilegais como socialmente aceites pode incutir na comunidade princípios de reciprocidade e simultaneamente ostentação dos desvios legais. Poucos são aqueles que se tentam opor às normas do grupo e quando o fazem são considerados como “desviantes”, visto que se estão a opor a uma conduta construída pelo grupo4. Quando se dá a integração numa comunidade, ocorre simultaneamente o “conformismo às normas, regras de conduta, atitudes e opiniões formuladas no seio de um grupo” (Barata, 2004:228).
Assim, as normas são incutidas em diferentes contextos sociais, mas neste caso interessa analisar de que modo é que os comerciantes do Mercado Municipal de Tavira agem em conformidade com as normas sociais, opondo-se às normas legais de transaccionar os géneros.
Os comerciantes procuram agir em conformidade com os actos dos restantes indivíduos, visto que a cumplicidade entre eles é benéfica não só na interacção social como também na obtenção de um maior lucro visto que este grupo conhece formas de fraudar construídas, preservadas e partilhadas culturalmente.
Porém, os comerciantes omitem e rejeitam a ideia de estarem a cometer ilegalidades, visto que estão inseridos num espaço cujas ilicitudes são imitadas, aceites e valorizadas tanto pelos restantes comerciantes como pelo público. Esta aceitação das ilegalidades deve-se ao facto desses actos se encontrarem enraizados culturalmente e, uma vez que estes actos eram anteriormente aceites e legais, a resistência à mudança promove a insistência no tradicionalismo.
A forma tradicional de comercializar os produtos nos mercados tradicionais, através das medidas de capacidade e por conseguinte a venda de cereais ao litro, é vista como a atitude adequada ao meio em que são realizadas as trocas comerciais. Este método é perspectivado como a forma dos clientes não serem ultrajados e quando os comerciantes tentam vender produtos como cereais, azeitonas, tremoços e caracóis ao quilo, os clientes perdem a confiança nessa transacção, pensando que os comerciantes estão a tentar usurpá-los. Assim, para que as transacções ocorram de forma harmoniosa é necessário que haja confiança e que as condições dessa cooperação sejam estabelecidas ao longo da troca mercantil. Por conseguinte, as transacções comerciais devem obedecer às regras formais e às regras informais. As primeiras vão ao encontro da legislação imposta pelo Estado em relação aos pesos e medidas, que decretou que todos os produtos deveriam ser vendidos ao quilo, com a excepção dos líquidos. As regras informais abarcam as normas tradicionais de transaccionar certos produtos, como a venda de cereais e azeitonas ao litro.
Face a isto, o comerciante respeita a tradição, o direito e a moral para poder alcançar os seus fins, encontrando-se os interesses pessoais em consonância com a moral social. Porém, para que o indivíduo não se centre somente nos seus interesses pessoais é necessário a “existência de uma hierarquia social, de paixões socialmente adaptadas para cada um, de acordo com o lugar ocupado nesta hierarquia e finalmente, supõe que esta hierarquia seja considerada como justa e legitima pelos indivíduos que fazem parte do grupo” (Steiner in Raud, 2003: 9).
Os comerciantes são assim confrontados com um conjunto de regras sociais, formais e informais, que restringem o comportamento dos intervenientes nas trocas mercantis, submetendo-os a uma sanção, quer seja através de uma coima por desrespeito à legislação jurídica, quer seja através da exclusão social, por desrespeito às normas sociais incutidas no grupo de pertença. Weber (in Raud, 2003: 24) considera que a ordem económica é mantida através de uma ordem política que se manifesta transversalmente a um elemento coercivo. O aparecimento de organizações com funções políticas, económicas, culturais e jurídicas surgiu devido à necessidade de produção, uso, manutenção e renovação dos utensílios e bens de consumo, à necessidade de existência, em cada instituição, de formas de poder e autoridade que garantam o seu funcionamento e as necessidades de codificação e transformação das normas, bem como de aplicação das sanções correspondentes (Malinowski in Rowland, 1996:46). Assim, o poder organizativo surgiu para “regulamentar, solucionar e sancionar os desacordos e as faltas, reparar o mal e definir penas compreensíveis e significativas” (Copans, 1999:68).
Becker, defende que as regras podem estar enraizadas num poder policial ou tradicional que resulta de um consenso através da interacção social ou das normas legislativas.
“(…) a rule has the force of law or tradition or is simply the result of consensus, it may be the task of some specialized body, such as the police of the committee on ethics of a professional association, to enforce it; enforcement, on the other hand, may be everyone’s job of everyone in the group to which the rule is meant to aplly.”(Becker, 1966:2)
Porém, não são as leis que impõem normas aos indivíduos, uma vez que há uma ambiguidade entre as leis jurídicas e as leis sócio-culturais. Deste modo, as relações entre os actores económicos e as entidades com poderes punitivos pode gerar conflitos entre o que é legalmente válido e o que é socialmente aceite criando assim uma mudança de atitudes e uma certa conflitualidade na presença de autoridades com interesses incompatíveis. Face a esta resistência, as normas legislativas não têm conseguido abolir, pelo menos no mercado municipal em questão, os usos e costumes.
O Mercado Municipal de Tavira é regulado pela tradição, na medida em que se assimila às condições tradicionais de troca. No entanto, não existe uma obrigatoriedade em seguir as normas sociais mas o hábito, no qual os actores económicos estão interiorizados, origina o conformismo a estas normas em prole de uma maior procura pois, tal como referiu Durkheim (in Raud, 2003: 14), “fora dessa pressão organizativa e definida que o direito exerce, há uma outra que vem dos costumes. Na maneira como celebramos os nossos contractos e como os executamos, somos obrigados a nos conformar com regras que, por não serem sancionadas, nem directa, nem indirectamente, por nenhum código, nem por isso são menos imperativas. Há obrigações profissionais puramente morais, e que no entanto são bastante estritas.”
Este quadro de relações sociais demonstra que o mercado não se sintetiza a trocas mercantis entre os actores económicos pois, abarca também as relações entre os concorrentes. Esta relação tanto pode ser baseada na ajuda mútua como na competição, através da luta de preços e de concorrência. Consequentemente, Durkheim (Raud, 2003:7) refere que a relação mercantil é uma relação social a partir do momento em que o actor económico tem em consideração a atitude dos outros actores e o contexto sócio-político em que decorre a transacção.
II - Procedimentos metodológicos
Esta investigação foi desenvolvida com base num trabalho de campo de cariz etnográfico, realizado através da observação participante, um procedimento utilizado essencialmente no âmbito da antropologia. O trabalho de campo implica a integração do investigador no contexto de estudo e a sua adaptação a normas socialmente aceites, de modo a ser visto pelo “outro” como um membro do grupo ou alguém que, apesar de não ser um deles, interage com o grupo e preocupa-se em compreender e aceitar as suas atitudes. Segundo Denzin (1972), no decurso do trabalho de campo etnográfico, “o investigador deve adoptar a perspectiva ou ‘o papel de actuar como o outro’ e ver o mundo do ponto de vista do sujeito estudado”. Assim, para apreender o ponto de vista dos outros, é necessário partilhar a sua realidade, a sua descrição do mundo e as suas marcas simbólicas (Bourmard, 1999). Como referiu Kluckhohn (in Bernardi, 2002:142), o método antropológico consiste na “[…] participação consciente e sistemática, na medida em que as circunstâncias o permitam, nas actividades da vida e, conforme a ocasião, nos interesses e nos afectos de um grupo de pessoas”.
Desta forma, através do trabalho de campo, passei a ser vista por alguns comerciantes como alguém em quem eles podiam confiar e que, uma vez que eu não era um verdadeiro elemento do grupo, não me consideravam, neste contexto, uma concorrente/rival. Sobre estas relações de confiança que, gradualmente, se vão criando no decurso do trabalho de campo, Bernardi (2002:59-60) refere que o antropólogo, através do trabalho de campo, “[…] estabelece relações de confiança e de amizade com os seus interlocutores, com pessoas singulares, no intuito de compreender, ao vivo, a origem e o significado das manifestações que estuda”.
O procedimento que, inicialmente, utilizei para estabelecer contacto com alguns comerciantes passou pela adopção do papel de cliente, alguém interessado nos produtos em exposição e que, enquanto cliente, sentia curiosidade em saber como os produtos eram transaccionados. Assim, após a realização da transacção comercial, interpelava os comerciantes sobre a possibilidade de colaborarem no meu trabalho, explicitando-lhes o objectivo da pesquisa, inicialmente pouco delineado e definido apenas como “O quotidiano dos comerciantes no mercado tradicional”. Seria ilógico da minha parte estar a elucidar os comerciantes, num primeiro momento, para o facto de pretender analisar as ilegalidades no mercado, visto que poderia ser comparada aos Fiscais e Inspectores do mercado, como mais tarde viria a acontecer.
O investigador, através da observação participante, suscita a curiosidade do grupo estudado. O facto de eu me ter interessado pela realidade social dos comerciantes do Mercado Municipal de Tavira e, por conseguinte, procurar obter informações sobre as interacções sociais decorrentes neste espaço, fez de mim um sujeito observador e simultaneamente observado. Esta curiosidade e constante observação de que eu era alvo acabou, de certa forma, por contribuir para que os investigados me aceitassem pois, a partir do momento em que fui aceite por alguns membros do grupo, os outros procuraram também, gradualmente, estabelecer laços comigo, de modo a poderem satisfazer a sua curiosidade. De facto, à medida que me fui inserindo no contexto de estudo, as pessoas com quem tinha uma maior interacção, passaram a ser questionadas sobre o porquê da minha constante presença no mercado. Assim, fui sendo apresentada a muitos comerciantes para que os mesmos satisfizessem a sua curiosidade, convertendo-se eles próprios em informantes e, posteriormente, em intermediários no acesso a outros actores sociais.
Os métodos de investigação utilizados (observação participante, entrevistas semidirigidas e histórias de vida), dada a profundidade de recolha de elementos empíricos que asseguram, permitiram-me aceder a informações ocultadas inicialmente pelos comerciantes.
Inicialmente utilizei audiovisuais com o intuito de retratar o contexto em que decorreu este estudo. Procurei recolher imagens que relacionassem os objectos com os seus utilizadores e gravar as entrevistas com os comerciantes. As pessoas não se inibiam de ser fotografadas pois, como anteriormente tinham sido recolhidas fotografias por uma fotógrafa alemã, para retratar os últimos dias dos comerciantes no Mercado da Ribeira, pensavam que este trabalho teria o mesmo intuito. Porém, a gravação das entrevistas inibia a espontaneidade dos comerciantes. Houve o caso de um comerciante, com quem eu já tinha falado várias vezes, que na presença do gravador alterou o seu testemunho.
Quando me apercebi de que a utilização de áudio-visuais inibia os actores sociais optei por utilizar somente o diário de campo, não para retratar os meus sentimentos e frustrações mas para anotar as informações a que ia tendo acesso no terreno. A não utilização de audiovisuais exige, muitas vezes, um esforço maior da memória auditiva e visual do investigador e uma utilização constante do diário de campo para anotar elementos informativos relevantes para a pesquisa (Portela, 1985).
1 - Dificuldades encontradas no Terreno
À medida que o investigador contacta a realidade em estudo, apercebe-se das limitações que terá que enfrentar para conseguir um contacto mais próximo com o contexto em estudo e, como não poderia deixar de ser, o meu primeiro contacto com o contexto de estudo foi bastante desmotivador.
É certo que o papel do antropólogo no terreno consiste em estabelecer um contacto de grande proximidade e envolvência com as pessoas que integram o contexto a estudar, devendo por isso adoptar atitudes que originem a sua aceitação nesse contexto. Todavia, nem sempre é fácil o acesso à informação relevante para o nosso estudo, visto que os informantes temem o interesse do investigador face a questões que eles consideram irrelevantes. É neste sentido que Barata (2004:147) refere que
“No domínio do social os que vivem de perto os acontecimentos, profundamente comprometidos, têm dificuldade em conceber, e aceitar, que alguém possa pretender em relação a eles uma posição de simples curiosidade científica. Muitas das opiniões, atitudes, comportamentos, realizações e outros factos que podem ser tema de estudo são objecto de sentimentos poderosos que podem levar a opor vivas reacções à curiosidade exterior”.
O investigador necessita de algum tempo para conseguir colectar informações relevantes para a investigação e, deste modo, é natural que se sinta inicialmente desmotivado, dado “que ainda não chegou a ocasião apropriada para tomar uma posição de observação e inquirição mais activa” (Portela, 1985: 30). Nesta investigação, alguns comerciantes receavam que o investigador pudesse manipular as informações que lhe eram prestadas, distorcendo e omitindo dados e até mesmo cedendo informações prejudiciais ao negócio. É por referência a estes receios que devem ser interpretadas as muitas resistências com que me deparei no acesso aos informantes.
Antes de eu ter citado o assunto fui confrontada com a indisposição do comerciante em me responder às questões, tornando-se agressivo e mencionando repetidamente "Eu não sei ler nem escrever. Sou analfabeto. Por isso não lhe sei responder às questões. Vá falar com a senhora daquela banca, que ela deve saber-lhe responder às suas questões". Tentei incentivá-lo a falar comigo, mencionando que as questões se relacionavam com a actividade que ele desempenhava no mercado e que não era o facto de não saber ler nem escrever que o tornava menos inteligente do que os outros… De nada adiantou… (Diário de campo, Tavira, 18/03/06)
Outros comerciantes, por sua vez, temiam o meu interesse e, por isso, tornavam-se ofensivos, procurando manter-me distante do seu local de trabalho, tal como o demonstra a seguinte passagem do diário de campo:
Vá para outro lado, já estou farto de ser fotografado. Esta frase foi utilizada por um comerciante de cereais, seguidor da venda ao litro, quando se apercebeu de que a sua banca estava a ser fotografada. Foi incorrecto da minha parte não ter pedido autorização, mas nesse momento estava a adoptar a atitude de um turista. Este regista todas as imagens sem ser censurado ou repreendido uma vez que pode ser um possível cliente. No entanto, o facto de alguns comerciantes saberem que estão a cometer ilegalidades provoca a adopção de comportamentos ofensivos, reagindo à curiosidade dos “estranhos”. Considero que o facto de eu ter sido apresentada a este comerciante pelos fiscais do mercado tenha sido o factor responsável pela repreensão com que então passei a ser recebida por este comerciante (Diário de Campo, Tavira, 1/04/2006).
O trabalho de campo torna-se exaustivo visto que o investigador tenciona ter uma visão interna dos fenómenos sociais, procurando inserir-se no grupo e adquirir um conhecimento dos rituais, atitudes, crenças, interacções entre os intervenientes, como se fosse um elemento do grupo mas, dificilmente o investigador consegue que essa inserção seja total (Kloos, in Bernardi, 2002: 144).
Tal como Portela (1985), na investigação de terreno adoptei gestos de delicadeza, simpatia, boa educação, simplicidade e boa disposição, de modo a conseguir estabelecer relações de amizade no contexto em estudo. Procurei também motivar os observados a participar na investigação, mostrando-lhes que o estudo em questão poder-lhes-ia ser proveitoso. Procurei convencê-los de que os futuros conhecedores deste estudo iriam ter conhecimento dos problemas com que os actores económicos deste mercado se confrontam diariamente e das razões que explicam o porquê de terem de recorrer a meios ilícitos para conseguirem assegurar a sua subsistência. Quando o investigado se apercebe que o papel do investigador não é censurá-lo, mas sim entender o porquê dos seus actos, de modo a dar-lhe voz, geralmente começa a facilitar a recolha de informações.
O mercado municipal é um contexto de difícil análise, uma vez que as transacções comerciais decorrem simultaneamente e é difícil para o observador analisar a forma como os produtos estão a ser transaccionados. Assim, e uma vez que haviam comerciantes cujas bancas tinham mais procura do que outras, comecei a escolher os momentos oportunos para recolher os dados, pois tentar dialogar com comerciantes constantemente rodeados por clientes é extremamente difícil e contraproducente.
Inicialmente, quando me era permitida a ida para o terreno, entrava no mercado municipal por volta das 9h da manhã e regressava a casa para almoçar por volta das 12:30h. Após vários dias, constatei que entre as 9h e as 11h a colecta de dados relevantes para a investigação era quase nula. Durante este período os comerciantes encontravam-se bastante atarefados com a abertura das bancas, o que implicava retirar as frutas e legumes que não estavam em condições de ser comercializados, colocar as novas mercadorias em exposição, limpar a banca e servir os clientes que iam aparecendo.
Após as 11h, o movimento começava a diminuir, havendo mesmo pausas para o café. Era então que os comerciantes começavam a interagir com os “vizinhos” de banca. Os espaços de convívio frequentados nestas pausas são seleccionados em conformidade com a faixa etária, o género e o grupo de pertença. Os homens mais idosos refugiam-se no café para ver se o vinho está fresco. Enquanto que estes se ausentam, o negócio é assegurado pelas mulheres. Estas, por sua vez, preferem ir à pastelaria, frequentada por ambos os sexos, geralmente pelos homens mais jovens. Nestes espaços há uma maior interacção entre os membros do mercado e destes com os representantes dos espaços.
Assim, comecei a entrar no mercado por volta das 11h da manhã e a prolongar a minha presença neste local até ao momento em que os comerciantes fechavam as suas bancas, ajudando alguns a colocar os panos sobre os géneros expostos.
Quando iniciei a minha investigação, um bocado tardia, receava não ter muito tempo para analisar o fenómeno em questão e entrei no terreno de forma algo abrupta, com o intuito de recolher o máximo de informações possíveis. No entanto, apercebi-me que estas informações a que ia acedendo eram, em muitos casos, manipuladas pelos informantes, uma vez que para eles eu era simplesmente uma “estranha”. Esta minha condição de outsider dissipou-se gradualmente à medida que me fui aproximando dos actores sociais. Consegui então construir relativamente a alguns deles uma relação baseada na amizade, confiança e honestidade, o que acabou por conferir uma maior viabilidade ao processo de colecta de informação e proporcionar uma maior aceitação da presença dos “instrumentos” de registo de informação, como é o caso do diário de campo. Houve um período em que, uma vez que tinha conseguido estabelecer uma relação mais próxima com certos comerciantes, comecei a fazer anotações enquanto os meus interlocutores me cediam informações importantes. Uma informante até já me dizia: “O que é que queres saber? […] Aponta aí”. Como havia um grande à-vontade entre nós, eu passei a não precisar de me afastar para registar as informações que ela me ia dando.
Com a proximidade social construída em relação a alguns comerciantes, estes começaram a alertar-me para certas “injustiças”, pensando que eu poderia interceder por elas. Passei também a ser informada de certas acontecimentos que poderiam ser do meu interesse (ex.: leilão das bancas). Pude ainda constar uma maior preocupação por parte dos comerciantes em contribuir para que eu fosse recebida no mercado da melhor maneira possível pelos novos informantes. Os comerciantes apresentavam-me a pessoas que eles julgavam necessárias à minha investigação da seguinte forma:
Olha trago-te aqui uma amiga minha que está a fazer um trabalho sobre o Mercado Municipal mas não te preocupes que ela é apenas uma estudante que quer saber de pesos e medidas e não te vai trazer nenhuns problemas. Ela já me entrevistou. Vê lá se tratas a mocinha bem que ela já foi muito mal tratada aqui no mercado (comerciante, mulher, 32 anos).
Uma comerciante, com quem eu já tinha uma certa afinidade dirigiu-se a mim com o desígnio de me alertar para o leilão das bancas que iria decorrer:
C: Sabes que vai haver um leilão das bancas? Podias comprar uma ao lado da minha.
S: Quando é que vai ser o leilão?
C: No dia 25 pelas 14 horas.
S: Se eu comprar uma banca é para vender os mesmos produtos que você mas a preços mais reduzidos! [risos] (diário de campo, 19/05/2006).
O leilão decorreu numa sala da Câmara Municipal. Eu cheguei ao local por volta das 14h e deparei-me com alguns comerciantes do mercado sentados junto à porta onde iria decorrer este leilão. Um dos comerciantes presentes era a senhora que me tinha alertado para o leilão. Questionei-a sobre o intuito da sua presença pois esta tinha-me referido que estava interessada em comprar uma banca para o seu filho, que alegadamente estava a enfrentar dificuldades financeiras, dívidas, problemas com as finanças e com o sistema judicial. Porém, esta comerciante acabou por desistir da compra, uma vez que o seu filho não estava certo daquilo que queria e, por isso, encontrava-se no local só para ver quais os interessados nas bancas em leilão.
Após esta breve conversa entramos para a sala de audiências. Eu optei por me sentar no fundo da sala pois, deste modo, poderia retirar informações sobre todo o processo. Porém, quando me encontrava devidamente instalada, esta comerciante levantou-se e sentou-se ao meu lado, informando-me sobre todo o processo e sobre os participantes do leilão.
III - O mercado como terreno
O mercado municipal surgiu nesta pesquisa como uma forma de ir mais longe na investigação da colecção de pesos e medidas. Esta colecção retrata o ofício do aferidor e simultaneamente as transacções comerciais delineadas através das regras sociais, estabelecidas entre os comerciantes, entre estes e o público, e as regras legislativas, cujo cumprimento é assegurado pelos Fiscais do Mercado e Inspectores da Direcção Regional de Economia do Algarve (DREALG). Muitos dos instrumentos de medição que a colecção integra e que futuramente serão expostos no “Museu da Terra” continuam a ser utilizados no mercado para transaccionar produtos como azeitonas, tremoços e caracóis, daí a minha preocupação em estabelecer uma ponte entre os objectos e o seu verdadeiro contexto de uso.
1-Diferentes locais, diferentes formas de transaccionar os produtos
Antes dos comerciantes se instalarem no novo mercado municipal, as transacções comerciais concentraram-se em diferentes locais. Inicialmente os produtos eram comercializados na praça, um local onde os géneros eram expostos em barracas. Quando ocorreu a sua demolição, as transacções passaram a ser realizadas por debaixo das arcadas da Câmara Municipal. Seguidamente, as transacções comerciais passaram a ser efectuadas no Mercado da Ribeira, aberto a 30 de Junho de 1887. Este espaço foi aberto devido à necessidade de se controlar a higiene e a qualidade dos produtos vendidos. Este mercado encontra-se situado junto à Câmara Municipal, com vista para o Rio Gilão, uma das zonas mais procuradas pelos turistas e percorrida por grande parte dos habitantes de Tavira, visto ser o centro da cidade.
Neste local os comerciantes tinham um lugar específico para montar a sua banca, muitas vezes construída com tábuas de madeira, onde expunham os seus produtos. As condições não eram as melhores, mas o mercado tinha muita clientela, mais do que actualmente tem o novo Mercado Municipal. O edifício onde se encontrava o Mercado da Ribeira foi encerrado em 1999. Este encerramento já há muito que vinha a ser planeado pela CMT e com ele a transferência dos comerciantes para o actual mercado municipal. Assim, iniciaram-se as obras no Mercado da Ribeira, que passaria a ser mais uma construção típica do urbanismo comercial. A sua reabertura data de 11 de Novembro de 2000.
O Mercado Municipal de Tavira foi inaugurado em 24 de Junho de 1999. A construção deste mercado tinha o intuito de oferecer melhores infra-estruturas aos comerciantes e de fazer do antigo mercado um posto de venda de produtos regionais, um centro de exposições temporárias e um espaço de lazer, no qual o público, actualmente, encontra lojas, restauração e serviços de apoio, sendo utilizado o espaço central para exposições alternativas.
Quando iniciei o percurso para o mercado municipal deparei-me com uma placa que indica a respectiva direcção. Nesta placa (ver imagem 1), além da designação “mercado municipal”, surge um elemento gráfico que representa uma balança, um instrumento que estabelece as relações entre os comerciantes e o público, mediando as transacções comerciais realizadas entre ambos.
Quando nos encontramos perto do mercado verificamos que se trata de um edifício de grande dimensão, composto por diversas lojas comerciais no exterior e uma grande quantidade de bancas no interior.
No mercado municipal de Tavira encontram-se expostos diversos géneros alimentícios, tais como peixe (trazido pelos pescadores da região), mel, licores, doces tradicionais, frutas e legumes (cultivados no território algarvio, por vezes pelos próprios comerciantes). Também é possível comprar neste espaço frutos secos, cereais, carnes e charcutaria.
A transição do espaço comercial anterior para este, alegadamente, não beneficiou os comerciantes, que, apesar de reconhecerem que têm melhores infra-estruturas no novo mercado, referem, no entanto, que a mudança de local fez com que a procura diminuísse, prejudicando em muito os seus lucros. Este factor é intrínseco à localização geográfica do novo mercado. O anterior ficava no centro da cidade, enquanto que o novo fica distante do habitual percurso dos clientes. Uma comerciante de 78 anos referiu que se lhe dessem a escolher entre ficar no novo mercado ou voltar para o antigo, ela e muitos outros comerciantes do mercado municipal não hesitariam e voltariam para o antigo.
Os comerciantes também culpam as grandes superfícies comerciais pela diminuição dos seus lucros, uma vez que estão abertas diariamente e no período pós-laboral, vendendo uma grande diversidade de produtos:
Os grandes supermercados estão a tirar-nos o lucro, não deviam haver tantos ou pelo menos não deveriam vender os produtos que existem no mercado. Mas isso também é culpa da Câmara que não incentiva a nossa actividade. A Câmara recebe bastante dinheiro pelo espaço que essas grandes superfícies ocupam e para além disso ainda recebe o dinheiro dos comerciantes pelo pagamento semanal das pedras. Retiraram-nos do mercado antigo e colocaram-nos distantes do centro. Renovaram o mercado e agora as pessoas pagam grandes mensalidades pelo aluguer do espaço… (comerciante, mulher, 52 anos).
2 - Bancas e pedras – Espaços de submissão ao poder coercivo
As bancas são constituídas por duas pedras, espaços onde os comerciantes colocam os produtos em exposição e a partir dos quais estabelecem relações comerciais. Estas bancas, apesar de serem “compradas” pelos comerciantes, nunca chegam a ser verdadeiramente deles. A compra de uma banca implica a pertença a uma estrutura social cujas “normas e modelos de comportamento são socialmente determinados” (Radcliffe-Brown, in Bernardi, 2003: 43). Esta orgânica passa a dominar as relações estabelecidas entre o poder legislativo, neste caso representado pelos Inspectores da DREALG e pelos Fiscais do Mercado, limitando as atitudes dos actores económicos e submetendo-os ao pagamento de impostos pela ocupação do espaço e pela utilização de instrumentos de medição em conformidade com a legislação em vigor.
As queixas dos comerciantes relacionam-se sobretudo com os custos que esta actividade lhes acarreta, pois não só pagam o “direito à ocupação da banca”, como ainda são confrontados com o pagamento semanal da taxa de ocupação desse espaço.
O comerciante compra a banca num leilão, o qual se inicia com o valor de 300 euros, podendo este leilão atingir valores elevados, exemplo disso é o caso de uma comerciante investir 1200 contos para comprar a sua banca, para além de continuar a ser obrigada a pagar 20 euros semanais aos Fiscais do Mercado pela taxa de ocupação do espaço. É de referir que esta comerciante possui duas bancas interligadas, uma banca de esquina e uma banca normal, variando o preço consoante o tamanho da banca de cada comerciante. Assim, o imposto pago pela ocupação de uma banca normal custa 7,20 euros; uma banca de esquina custa 11,20 euros e uma banca de peixe pode chegar aos 75 euros. Para além de tudo isto, existem inúmeras limitações a que os comerciantes se submetem para poderem comercializar os seus produtos no Mercado Municipal. (…) caso os fiscais o desejem estes comerciantes podem ser postos fora do mercado. Se os comerciantes decidirem abandonar o negócio não podem alugar ou vender a banca a outrem, nem colocar outra pessoa a exercer a sua função, perdendo assim o seu direito sobre a banca (diário de campo, mercado municipal, 28/04/2006).
Os leilões das bancas são realizados quando o número de interessados e o número de bancas livres o justifica. Geralmente os interessados são comerciantes actuais deste mercado que ambicionam mudar os seus produtos para um lugar estratégico ou aumentar a quantidade de produtos a vender. As verbas destinadas para este fim são cautelosamente guardadas pelos comerciantes para que no dia em que a sessão decorra, se encontrem numa situação económica favorável para negociar as bancas.
No passado dia 25 de Maio de 2006, pelas 14 horas, tive oportunidade de presenciar um destes leilões cujo júri designou de “Hasta pública do direito à ocupação das bancas no mercado municipal”. Os comerciantes fizeram questão de me alertar para este acontecimento, o qual viria a comprovar a veracidade dos seus argumentos sobre os impostos pagos pelo aluguer do espaço.
O leilão foi dirigido por um júri de quatro membros, entre eles, os dois fiscais do mercado.
O público presente nesta hasta pública, constituído por sete comerciantes actuais do mercado municipal de Tavira, pretendia satisfazer a sua curiosidade relativamente aos interessados na compra das bancas e saber por quem seriam ocupadas as bancas a leiloar. Parte dos interessados transportavam consigo uma pequena lista com o número das bancas e das pedras que pretendiam ocupar. Com a abertura da hasta pública foi lido o edital que transmitia as condições a que ficavam sujeitos os futuros ocupantes das bancas. As normas às quais eu atribuo maior importância são as seguintes:
“-Encontra-se nos locais de estilo da Câmara Municipal a identificação das bancas quanto aos usos comerciais, taxas semanais e restantes características, sendo a base da licitação de 75,00€ (setenta e cinco euros) por metro linear ou fracção;
-Aos adjudicatários é garantido o direito de permanência mediante o pagamento das taxas constantes no ponto anterior, não tendo direito em caso de desistência da ocupação a qualquer indemnização, sendo proibido o trespasse ou qualquer forma de aluguer;
-As taxas de ocupação das bancas serão anualmente actualizadas;
-A concessão das bancas é feita pelo prazo de cinco anos, automaticamente renovável por períodos sucessivos de um ano e pode ser denunciada a todo o tempo pelo concessionário ou pela Câmara Municipal, com o aviso prévio de 60 dias antes de expirado o prazo das sucessivas renovações;
-A Câmara Municipal pode rescindir o contrato de concessão quando o concessionário não cumpra o pagamento da taxa prevista, o concessionário cede a terceiros a exploração do lugar, o concessionário utilize o lugar para fins diversos daqueles para os quais foi inicialmente concessionado, o concessionário, injustificadamente, não utilize o lugar por um período superior a 8 dias por ano, o concessionário violar qualquer disposição legal ou regular em vigor” (Câmara Municipal de Tavira, edital Nº45/DA/2006).
Após a leitura do edital foi iniciado o leilão, dirigido por um dos fiscais do mercado que, para descrever a banca em leilão, mencionava o número da banca e respectivas pedras, bem como a dimensão e os anteriores proprietários, para elucidar o público, como de seguida se exemplifica: Está em leilão a banca 111, composta por 4 metros, por trás do Zé Serra. Está em 300 euros… Não há interessados?! Está fechada a hasta pública da banca 111 (fiscal do mercado, 56 anos).
Inicialmente foram leiloadas as bancas de peixe. Estas bancas não tiveram grande adesão. Somente duas pessoas se mostraram interessadas em adquirir uma banca. Assim, a pedra 287 começou a ser leiloada por 150 euros e, visto que “os lances mínimos estabelecem-se em múltiplos de 50,00€”, este banca foi vendida após o primeiro lançamento, que foi de 200 euros. O leilão da banca 145, composta por seis metros de comprimento, iniciou-se em 450 euros, sendo “vendida” a um comerciante por 500 euros. Visto que não haviam mais interessados, estas bancas foram entregues aos únicos interessados.
Antes de se iniciar o leilão das bancas das verduras foi feito um intervalo, devido ao atraso de uma comerciante. Esta estava interessada em “comprar” algumas bancas, mas entretanto tinha confundido o horário de início do leilão. Durante o tempo de espera foram trocadas impressões relativas aos interesses dos comerciantes e do preço pago pelas bancas que ocupam. As pessoas comentavam o facto desta actividade não ser muito rentável e apenas continuarem no ramo devido à dificuldade que as pessoas com mais idade, sobretudo a partir dos 40 anos, sentem em termos de inserção laboral.
Após a chegada da Sra. L.R. iniciou-se o leilão das bancas das verduras, tendo-se destacado o leilão da banca nº16, constituída por 7 metros. O preço atribuído à banca pelo júri foi de 525€. O primeiro lançamento foi feito por um comerciante que atribuiu 750€ à banca. Após um curto silêncio foi iniciada a contagem, interrompida por uma proposta de 800€. A hasta desta banca atingiu os 1000€, tendo sido “adjudicada” ao primeiro interessado.
Foram entregues mais duas bancas anexas à Sra. L.R. pelo valor de 700€. Após isso a hasta foi encerrada pelo júri com as seguintes palavras: Está encerrada a sessão e pode-se proceder ao pagamento.
IV - Subsídios para a história da aferição e suas memórias
A História da aferição é caracterizada através da luta pela implementação de um sistema de medidas universal. Este sistema teimou em ser implementado, uma vez que os monarcas dos diferentes reinos persistiam em instrumentos de medição que os identificasse culturalmente.
Após a implementação de um sistema “perfeito” e “universal”, houve uma resistência por parte dos actores económicos em integrarem esse sistema nas transacções quotidianas. Assim, deu-se uma resistência às novas medidas e à legislação imposta pelo Estado. Esta legislação tem ido ao encontro de um sistema que não beneficie nem prejudique as transacções comerciais, opondo-se ao tradicionalismo vigente no contexto social.
1 - Implementação do Sistema Métrico decimal
A verificação dos instrumentos de medição é uma actividade extremamente antiga, que surgiu para evitar a fraudulência exercida pelos comerciantes nas transacções comerciais. Deste modo, a história de pesos e medidas engloba a luta e resistência da população ao sistema métrico decimal.
Referindo-se à história dos pesos e das medidas e aos respectivos processos de aferição, António Cruz, Director do Departamento de Metrologia do Instituto Português da Qualidade (IPQ) destaca o seguinte:
Esta actividade esteve sempre ligada às classes dirigentes, inicialmente era uma actividade protegida pelos reis e seguidamente pela República. Esta actividade foi realizada pelos almotacés, afiladores, aferidores e actualmente é realizada pelos Inspectores das Direcções Regionais de Economia… Actualmente, todos os instrumentos de medição são regulamentados numa disciplina que se chama controlo metrológico e que é exercida pelo IPQ. Esta actividade é uma das actividades mais antigas no nosso país, porque o controlo metrológico existe, embora tivesse outras designações, praticamente desde que existe a nacionalidade portuguesa. Pois, logo com o D. Afonso Henriques foram definidos padrões de unidades de medida, sendo seguida essa intenção pelos dois reis seguintes que tentaram fazer reformas de uniformização porque, como o território nacional foi conquistado pelos árabes e à medida que era conquistado, o rei ia definindo padrões de pesar e medir para as regiões conquistadas. Entretanto, quando o reino já se encontrava conquistado, no séc. XIII, houve uma tentativa de uniformização das medidas. Os esforços desenvolvidos nesse âmbito permitem-nos retratar a história nacional, através da diversidade de pesos e medidas que surgiram em cada reinado. (António Cruz, Director do Departamento de Metrologia do IPQ)
Assim, quando estudamos a história de pesos e medidas vemos que a luta pela implantação de um sistema uniforme e universal, que contivesse múltiplos e submúltiplos da unidade tomada para padrão, remete para o reinado de D. Pedro I (1361). Este, durante o seu reinado, tentou uniformizar os pesos e medidas uma vez que o crescimento e a intensificação das normas comerciais criaram a necessidade de constituir um sistema igual para todos os reinos. Criou então as seguintes medidas: a alna para os panos, o côvado para as distâncias e o almude para o vinho.
Em 1488, com D. João II, é adoptado o marco de Colónia como padrão de peso, o qual era utilizado em quase toda a Europa. A Reforma Manuelina, com D. Manuel I, em 1499, clarificou quais as medidas a utilizar nas relações de mercado. Os múltiplos e submúltiplos foram claramente definidos bem como os seus valores em relação à unidade padrão. Porém, esta reforma só teve sucesso no domínio do peso, uma vez que as unidades tradicionais no volume continuaram a ser toleradas.
D. Sebastião (1575) continuou a lutar pela implementação de um sistema único, definindo como unidades de medida, o almude para medir os líquidos e o alqueire para medir os secos. Seguidamente, com D. João VI (1814) os sistemas de unidade foram definidos obedecendo ao princípio decimal e estabelecendo uma equivalência da unidade de volume às de comprimento e de peso (1 canada de 1 mão cúbica de água), pondo termo às diferentes unidades. Assim, o sistema de unidades passou a ter como base o sistema métrico adoptado na França mas com terminologia portuguesa mão-travessa, a qual correspondia a 1/10 do metro francês.
Após toda esta resistência foi adoptado o Sistema Métrico Decimal (13 de Dezembro de 1852), que tinha como princípios a universalidade e simplicidade do sistema de unidades. Este sistema era baseado no metro, múltiplos e submúltiplos.5
Em simultâneo, com a adopção de unidades de medida, antes e após o Sistema Métrico Decimal, houve uma preocupação, por parte da Monarquia e do Estado, em assegurar que a legislação em vigor fosse seguida. Assim, na Idade Media, o almotacé tinha como funções assegurar o abastecimento e o policiamento do mercado urbano e controlar as relações de produção (Charrua et al., 2001)6. Seguidamente ao almotacé, esse controlo passou a ser efectuado pelo afilador e posteriormente pelo aferidor de pesos e medidas.
A adopção do Sistema Métrico Decimal implicou a criação do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, a Comissão Central de Pesos e Medidas, a Inspecção-Geral de Pesos e Medidas do Reino e uma Estação Central de Aferições7. Posteriormente, em 1861, a aferição de pesos e medidas passou a estar a cargo das Câmaras Municipais, sendo decretada a necessidade da colocação de dois aferidores por concelho, ou seja, pessoas responsáveis por levar a cabo a colocação do sistema métrico decimal8 em vigor. Portugal adoptou o Sistema Internacional de Unidades, que tem como medida de comprimento o metro, como medida de massa o quilograma e como medida de tempo o segundo.
Assim, foram retiradas as varas - utilizadas para medir o comprimento e altura - e as balanças romanas – usadas para pesar o gado e outro tipo de mercadorias. Em 1889 foi publicado o quadro legal de medidas, ao qual todos aqueles que usassem pesos e medidas deveriam obedecer. O serviço de aferição servia, assim, para garantir a honestidade na relação de compra e venda9.
O aferidor passou a ter um cargo importante na defesa da lei. No entanto era necessário obter formação prévia para se poder exercer esta actividade. Deste modo, era necessário que o potencial aferidor soubesse ler e escrever, tivesse prática nas quatro operações fundamentais de aritmética, prática de afilamento e correcção de medidas e instrumentos para medir e conhecesse o novo sistema legal das medidas (Charrua e Martins: 2000).
No caso de o indivíduo ser aprovado, ele passaria a ter o direito de exercer a profissão de aferidor, assumindo como dever fundamental a transmissão do conhecimento dos pesos e das medidas e da legislação em vigor. Era também da sua responsabilidade a fiscalização e o controlo da metrologia, o acompanhamento da mudança do antigo sistema para o novo Sistema Métrico Decimal, assim como apreender medidas e instrumentos métricos do antigo sistema e, proceder à aferição dos instrumentos do novo. Caso os comerciantes desrespeitassem o novo sistema de pesos e medidas ficariam submetidos a uma pena por desobediência à legislação em vigor, que podia consistir na apreensão dos objectos, pagamento de uma coima ou até mesmo prisão.
Assim, o aferidor possuía uma oficina na qual eram efectuadas as aferições: Antigamente [referindo-se aos anos 80/90] existia um aferidor da Câmara que trabalhava numa pequena oficina. Na altura das inspecções dos instrumentos de medição, os comerciantes pegavam nos seus instrumentos e dirigiam-se a essa oficina. (comerciante, mulher, 78 anos). Quando não havia disponibilidade, por parte dos comerciantes, em se dirigirem à oficina de aferição, o aferidor tinha que ir ao estabelecimento para aferir os instrumentos de medição, sendo os gastos da deslocação pagos pelo estabelecimento no qual seria realizada a aferição. Para tal transportava consigo uma caixa de serviço externo, composta por uma balança de braços iguais e um jogo de pesos.
A aferição era… inicialmente era sazonal, porque nós determinamos “X” meses para fazer a aferição e deixávamos os restantes meses para a conferição, que eram as duas operações que existiam na altura. Depois, já mais tarde é que era só a aferição. Eu já apanhei outra coisa que era a comparação e… Portanto, determinávamos “X” meses para cada freguesia e deslocávamo-nos ao local. Eu já não avisava… No tempo do senhor Manuel faziam um Edital, era colocado o edital na freguesia a dizer que em tal dia se ia deslocar o técnico para fazer a aferição, as pessoas tinham que levar a um determinado local as suas medidas e massas. Eu já não fiz assim, eu deslocava-me esporadicamente ao local, sem aviso prévio aos locais (último aferidor do município de Tavira, João Bento, 52 anos).
Quando era efectuada a aferição, os objectos eram marcados através de letras, classificando-se deste modo a legalidade ou ilegalidade das peças. Quando uma peça não obedecia às normas legais era punçoada, ou seja marcada, com a marca “Rg”, caso contrário seria marcada com a letra anual da aferição e com a marca da coroa ou das quinas. Inicialmente a marca da coroa precedia a letra da data da primeira aferição, sendo esta técnica utilizada até 1910. Após esta data passou a ser usada a punção das quinas (Charrua e Martins, 2000).
Esta marcação era realizada pelo aferidor com a ajuda das suas ferramentas. No caso dos instrumentos de medição apresentarem alguma falta de rigor, os aferidores consertavam os objectos. As seguintes transcrições demonstram de que forma é que a aferição era realizada, segundo o testemunho de um comerciante e do último aferidor do Município:
- Antes aferiam com um peso e um martelo, colocavam uma letra e a partir daí já estava válida a balança. Antigamente quando eles não vinham ia-se aferir à casa deles… já fui aferir à casa deles mais que uma vez, transportava comigo a balança para que a mesma fosse verificada… antigamente eles soldavam as balanças, agora não (comerciante, homem, 81 anos);
- Portanto, nós fazíamos muito, a correcção dos pesos… As massas tinham a parte de baixo para encher de chumbo e nós fazíamos os acertos, quando os acertos excediam aquelas tolerâncias mínimas, já se tinha que meter chumbo, portanto já se tinha que derreter chumbo. Furava-se aquilo, batia-se, nos tínhamos que bater para aquilo ficar compacto. Normalmente, o equilíbrio das massas. Eu, no meu tempo já fiz balanças mas isso era, digamos, como eu sabia e tinha muito conhecimento de fazer reparações, ainda trabalhei com uma marca… Em termos de afinação, já fazia também afinações mas isso esporadicamente (último aferidor do município de Tavira, João Bento, 52 anos).
O processo tecnológico promoveu a mudança da legislação e também os instrumentos de medição utilizados para nos servirem. António Cruz, na entrevista que me cedeu, caracteriza esta evolução e as mudanças que surgiram com o progresso metrológico:
- O progresso tecnológico levou a que a maior parte da instrumentação mecânica e electromecânica do século fosse substituída pela instrumentação electrónica. As medições e verificações dos instrumentos metrológicos foram alteradas. A legislação de 1980 veio inserir as tecnologias centrais, seja a nível central, regional ou local. As antigas oficinas de aferição de pesos e medidas, existentes a nível local até aos anos 80, não têm nada a ver com os meios que hoje devem existir nessas entidades. De facto, a evolução tecnológica contribuiu para a transformação dos instrumentos de verificação, a maneira de verificar evoluiu, os procedimentos evoluíram e como tal as pessoas tiveram que acompanhar essa evolução. Desde o séc. XIX, os aferidores começaram a ser obrigados a tirar um curso de aferidor para possuir as bases para a realização dessa actividade. No entanto, com o passar do tempo também essa formação sofreu alterações com o intuito de serem adaptadas às novas técnicas. Actualmente o indivíduo que deseje tirar o curso de aferidor deverá fazê-lo no IPQ, ocorrendo este anualmente. Assim, os interessados são formados para atender às necessidades actuais do serviço de metrologia. Este curso tem a duração de uma semana, o qual exige um conhecimento básico das técnicas, tendo uma parte essencialmente prática e básica para a realização da verificação. No caso de haver uma necessidade de uma formação noutras áreas, o IPQ realiza, posteriormente, acções de formação. Actualmente, os arranjos nos instrumentos de verificação já não são feitos pelos aferidores, como acontecia no passado.
Tal como António Cruz, também alguns comerciantes notam algumas alterações mais ou menos significativas que têm vindo a ocorrer nos procedimentos técnicos de aferição: Após a saída do aferidor tradicional houve uma alteração na forma de verificar as balanças e os padrões transportados pelos aferidores também foram alterados. Já não fazem consertos nas balanças e as balanças com defeito são mandadas tirar (comerciante, homem, 81 anos).
De um modo geral, na actualidade, a verificação é uma actividade desvalorizada por alguns comerciantes e desconhecida pelo público em geral. No entanto, passo a citar o Director do Departamento de Metrologia do IPQ que, durante uma entrevista explicou-me o contributo desta actividade para o bem-estar social:
Esta actividade não é só interessante como é extremamente importante visto que não há nenhuma actividade humana que hoje se faça sem o apoio de um instrumento qualquer, seja de pesar ou medir o que quer que seja pois, a partir do momento em que a pessoa se levanta tem de olhar para o relógio, tem que medir o tempo, depois vai à casa de banho, abre a torneira passa por um contador. Depois mete-se num táxi, sendo a distância percorrida controlada por um taxímetro… Não há nada hoje que as pessoas façam que não tenha, por detrás da actividade, um instrumento.
2- Resistência à Mudança
“Tudo o que seja diminuir a asa é dificultar o voo”10
A resistência à mudança, por parte dos utilizadores de pesos e medidas nas transacções comerciais, é visível não só na actualidade como ao longo de todo o percurso histórico retratado. Essa resistência é perceptível através das dificuldades com que o sistema métrico decimal se debateu até ser considerado como sistema único. Após a sua implementação, as medidas foram restringidas ao metro, múltiplos e seus submúltiplos.
A época da monarquia ilustra de forma bastante vincada a resistência à mudança e à uniformização do sistema métrico. Nessa altura, as medidas variavam de reino para reino e os instrumentos de medição assumiam-se mesmo como símbolos culturais e identitários de cada povoação (Gonçalves, 1983: 3). Ao analisar as posturas municipais dos concelhos apercebi-me de imediato que as medidas utilizadas no passado variavam de município para município e, inclusivamente de freguesia para freguesia. Assim, em 1864, Lagos utilizava as seguintes medidas: arroba e meia arroba, pesos de 8 arrateis até meia quarta, medida de pão, vara ou côvado, almude e meio dicto e medidas desde a canada até meio quartilho (Código de Posturas, CML, 1864). Em 1849, em Faro, eram utilizadas as seguintes medidas: pesos de duas arrobas, uma arroba e meia arroba, jogo de dois arráteis até duas onças, um marco, medidas de barro, de canada até meio quartilho, almude e meio almude, meio alqueire, quarta e selamim, alquiar e quintal para alfarroba (Código de Posturas, CMF, 1849).
A persistência na diferenciação dos sistemas de medida, tornou difícil a aplicabilidade do Sistema Métrico Decimal. As pessoas opunham-se às novas medidas e em 1872 houve mesmo um confronto em Tavira, contra as autoridades que pretendiam colocar este sistema em acção, através da substituição das medidas do velho sistema de pesos e medidas (côvado, a vara, arrátel, almude, quartil, entre outras).
Contudo, no dia 8 de Dezembro de 1872, por ordem do Administrador do Concelho, o Sistema Métrico Decimal entra em vigor no Município de Tavira. Em França já se tinha tornado obrigatório desde 1840. Assim, aproveitando a agregação da população no mercado municipal – que pretendia realizar as suas compras e aproveitar o feriado nacional – o administrador transmitiu a alteração de pesos e medidas à população. Estas novas medidas iam contra os hábitos culturais da população de Tavira que, desconhecendo as vantagens do novo sistema de medidas, se sentiu enganada pelas autoridades, pensando que esta alteração iria prejudicar as suas actividades comerciais. O povo manifestou a sua revolta através da violência verbal e física contra as autoridades policiais e governamentais. Desta “revolução” resultaram seis mortos e dezasseis feridos graves. Este descontentamento, por parte da população, exigiu a vigilância das autoridades policiais ao longo de quatro meses consecutivos (Vasconcelos, 1942).
Actualmente, quando os comerciantes focam memórias do passado, ainda utilizam as antigas medidas para se referirem ao peso dos géneros, tais como o almude, alqueire, arroba, léguas e o moio. Um comerciante do mercado explicou-me qual é a correspondência actual dessas medidas: Antigamente utilizava-se o almude, alqueire e a arroba. Um alqueire são 20 Litros, um almude 18 Litros, talvez… e uma arroba 15kg (comerciante, homem, 81 anos). Estas medidas antigas ainda foram utilizadas após a implementação do Sistema Métrico Decimal, servindo, por vezes, de estratégia para a obtenção de lucros acrescidos nas transacções comerciais: Em Portimão, tínhamos lá um cliente que nunca queria sal daqui, queria sal de Castro Marim que era mais leve porque comprava à tonelada e vendia aos alqueires […] havia um alqueire de 20 kg que dava 16 kg e outro que dava 18 (representante de uma salina).
Portela (1985) apercebeu-se de que a população rural continua a dialogar e a caracterizar as quantidades segundo as medidas antigas, resistindo assim ao novo sistema e agindo em conformidade com o sistema tradicional e local de medidas. Este autor apercebeu-se das limitações com que poderia ser confrontado ao analisar os pesos e medidas, uma vez que “[…] podem variar de lugar para lugar como também de produção para produção” (Portela, 1985: 24). Para o contexto que estudou constata as seguintes unidades de peso e medida:
“Em vez de X kg/ha de fertilidade passamos a falar em termos de sacas por alqueire de semeadura (…) uma “pousada” significa quatro molhos de cereal atados naturalmente, o que deverá corresponder aproximadamente a um alqueire de grão (…) o alqueire representa no local cerca de 15 Litros enquanto que em aldeias vizinhas, quer o alqueire quer o almude (este representa em Fragueiro 25 Litros) correspondem a medidas diferentes, respectivamente 17 e 32 Litros.” (idem).
Esta resistência à mudança, visível na continuidade da utilização de medidas tradicionais, actualmente desactualizadas, pode implicar a intervenção da DREALG, instituição com competência para fiscalizar os instrumentos de medição e de pesagem e para aplicar coimas quando são identificadas ilegalidades. No caso de se verificar resistência e oposição, os inspectores devem exercer o seu poder para evitar que as atitudes pessoais fujam às medidas legais, ou seja que os interesses pessoais dos comerciantes sejam postos à frente das normas legais (Bernardi, 1989: 98).
Assim, o facto dos compradores estarem habituados a comprar azeitonas a 2€ o litro faz com que prefiram/incentivem este método pois, comprarem azeitonas ao quilo, na perspectiva do cliente, é pagar um preço superior. Os clientes não têm uma clara percepção de que o litro não é equivalente ao quilo, continuando por isso a preferir a compra na unidade métrica “litro”, crendo que assim sairá beneficiado. Por consequência acaba por contribuir decisivamente para a continuidade de um certo tradicionalismo em termos de instrumentos e procedimentos métricos de comercialização de produtos no mercado.
V - Do museu ao mercado: Sistema de medição, aferição e quotidianos de vida
Através deste estágio, analisei duas colecções interligadas às transacções comerciais e que, de certa forma, simbolizam a existência de um poder coercivo que oprime os desvios legais.
As colecções de pesos e medidas, divididas em duas secções, podem ser caracterizadas de duas formas distintas. A primeira colecção tanto pode caracterizar o ofício do comerciante como do aferidor visto que é composta por instrumentos de medição que, antes de serem retirados pelo aferidor municipal, pertenciam aos comerciantes. Parte destes objectos foram retirados pelo aferidor municipal visto que não cumprem as normas legais. Face a isto, esta colecção caracteriza a fraudulência existente nas transacções comerciais tendo em vista o lucro pessoal. A segunda colecção caracteriza a actividade do aferidor, ou seja, um funcionário do Estado que tem como dever verificar se os instrumentos de medição obedecem às normas legais impostas pelo Estado. Para a realização desta actividade o aferidor serve-se de diversos instrumentos de medição, designados por eles como instrumentos padrões, para ver se as medidas utilizadas pelos comerciantes estão de acordo com as normas em vigor.
1 – Inventariação Provisória das peças
O desígnio do meu estágio, integrado no projecto “Museu da Terra”, consistiu em cooperar na inventariação do espólio do Aferidor Manuel de Jesus Ribeiro (MJR) e do Latoeiro Francisco Gomes Calado (FGC), objectivos esses que se foram ampliando devido à descoberta de uma nova colecção sobre a aferição de pesos e medidas pertencente à Câmara Municipal e à necessidade de inventariar a colecção do sapateiro, doada também pelo Sr. MJR.
O Estágio curricular tem o intuito de nos integrar no mundo profissional e deste modo, o meu estágio não se baseou somente na pesquisa de terreno visto que eu me comprometi com a Câmara Municipal de Tavira (CMT) a inventariar as colecções anteriormente referidas.
O processo utilizado para a inventariação desta colecção abarcou as regras do manual “Normas de Inventário: Alfaia Agrícola”, uma obra editada pelo Museu Nacional de Etnologia.
A colecção de aferição é constituída por dois grupos. O primeiro foi-nos doado pelo Sr. MJR11, aferidor da CMT entre 1941 e 1984.
No segundo grupo, espólio da CMT12, encontramos peças mais recentes pois, enquanto que nas peças do aferidor MJR encontramos medidas de capacidade com a marca da coroa, utilizada até 191013 e que segundo as marcas de aferição apresentadas corresponde a 189414, nos objectos da Câmara apenas encontramos objectos marcados com a punção das quinas, a qual passou a ser utilizada após 1910.
Todavia este espólio contribuiu bastante para que o Museu da Terra pudesse caracterizar melhor a actividade do aferidor e a sua intervenção nas diferentes trocas comerciais. Este grupo foi encontrado após esta investigação ter sido iniciada pois, disseram-nos que os objectos utilizados pelo aferidor da CMT se encontravam na Ermida de S. Roque, a qual passou a ser utilizada como arrecadação da Câmara15. Assim, quando nos dirigimos ao local encontramos uma grande diversidade de instrumentos de medição e de pesagem.
Este grupo possui os instrumentos suficientes para a realização da verificação dos pesos e medidas e o conserto dos mesmos, como é o caso da bancada de trabalho do aferidor, das limas, rascadores, punções16 (ver figura 5), entre outros materiais que existiam na oficina de aferição.
A realização de inventários provisórios implicou a continuação da pesquisa bibliográfica, de modo a poder descrever os objectos e denominá-los. Esta fase abarcou também a medição dos objectos e a recolha de imagens dos mesmos. Também foi necessário a colocação de um número provisório em cada peça.
Para a descrição, elaborada nos inventários provisórios, optou-se por descrever a forma geométrica dos objectos e as inscrições visíveis, podendo estas ser de aferição ou conferição17.
Nas observações foram colocadas as seguintes informações: fontes bibliográficas; utilidade dos objectos e possível datação dos mesmos18.
Na inventariação das peças, considerámos como elementos de um conjunto os objectos que temos a certeza de que funcionavam como um conjunto ou pela forma como estavam acondicionados, na altura em que foram recolhidos (ex: dentro de uma caixa, fechado hermeticamente…).
Decidimos que não poderíamos considerar como um elemento de um conjunto, peças singulares que no momento da recolha se encontravam isoladas, apesar de poderem ter um aspecto e uma utilidade semelhante. Os elementos de um conjunto que não foram desdobráveis, visto ser injustificável desdobrar uma infinidade grande de objectos minúsculos, foram as caixas de chumbo, visto que a sua forma e a sua dimensão são exactamente iguais.
A colecção doada pelo Sr. MJR, uma vasta colecção de objectos com os quais realizava a aferição e objectos que foram apreendidos aos contribuintes uma vez que a sua estrutura não abrangia as normas legais – exemplo disso é o objecto MJR22 (ver imagem 3), o qual funcionava como medida de capacidade, mas que devido à sua composição enganava os clientes na quantidade pois, este objecto dispunha de um fundo falso para além da sua composição não corresponder à forma legal segundo as leis da metrologia.
Outros objectos que também foram alterados pelos seus proprietários foram alguns pesos, os quais deveriam obedecer ao peso que se encontra marcado no seu bordo mas, devido à ambição dos comerciantes em conseguirem mais lucro do que aquele que lhes deveria ser destinado, retiravam o chumbo na base dos pesos.
A segunda parte da colecção, comprada no passado pela Câmara Municipal, representa a actividade do aferidor municipal e é composta por mobiliário, ferramentas e instrumentos que figuravam na oficina de aferição da Câmara Municipal de Tavira.
2 – Inserção dos dados no In Patrimonium
Após a realização dos inventários provisórios, os dados destas colecções foram colocados no programa In Patrimonium19 e consequentemente no Livro de Tombo.
O programa In Patrimonium permite-nos aceder às informações relacionadas com os objectos inventariados20. Assim, para a inserção da colecção de pesos e medidas, foram preenchidos os seguintes campos: Designação, sendo atribuído um nome ao objecto consoante os dados encontrados através da pesquisa bibliográfica e cedidos na pesquisa de terreno. A “Descrição” do objecto no In Patrimonium abarca a sua forma geométrica e as inscrições que este possa apresentar, podendo apresentar marcas de aferição ou conferição, as quais eram utilizadas pelo aferidor de pesos e medidas como simbolismo da legalidade do objecto.
O campo “Categorias” foi preenchido consoante a classe à qual o objecto pertence. Parte dos objectos foram classificados como equipamentos e utensílios, sendo justificada a selecção.
No campo “Cronologia” foram colocados os séculos em que a peça foi, possivelmente, fabricada. Neste campo tentamos analisar as letras de aferição que as peças apresentam. Estas foram analisadas segundo a lista de verificação, cedida pelo Director do Departamento de Metrologia do Instituto Português de Qualidade, que descreve quais as letras de aferição usadas anualmente.
No sector “Funções” os objectos foram descritos como instrumentos de uso profissional ou decorativo, visto que grande parte dos objectos eram utilizados pelos comerciantes ou pelo aferidor do Concelho de Tavira, enquanto outros, eram objectos decorativos, representando as medidas utilizadas nessa altura.
No módulo “Incorporações”, é designado se os objectos são comprados, doados ou emprestados. Assim, nesta parte, a primeira colecção foi incorporada como uma doação, tendo sido o doador MJR, penúltimo aferidor no concelho, e a segunda colecção foi incorporada como compra visto os objectos que a compõem terem sido adquiridos pela C.M.T. para o funcionamento da oficina de aferição. A data inserida é a data em que foi feito o registo no Livro de Tombo.
Foi preenchido também o campo “Inventariantes”, tendo sido colocado o nome da pessoa responsável pela colocação dos dados no In Patrimonium, bem como a data em que foi feito o registo no programa.
No campo “Localizações” foi designado que a colecção se encontrava na reserva do Edifício do Museu da Terra.
Nas marcas, foram registados os símbolos encontrados nas peças, os quais representam as letras de aferição, as medidas que as peças representam ou então marcas de fábrica, ou seja, dados que são colocados nas peças para as identificar.
No item “Materiais”, foi definido a composição da peça e a sua cor. Também foi escolhido o campo “Medidas”, um campo que menciona as dimensões máximas em cm do objecto.
No campo “Numerações” é descrito o número anterior da peça, que neste caso corresponde ao número de inventário provisório do Museu da Terra. A “Recolha etnográfica” é um módulo que nos permite saber quem foi o colector da peça, a data em que a mesma foi recolhida e o local de recolha.
No sector “Proprietários” foi indicado qual o actual proprietário da peça, que neste caso é o Município de Tavira. No caso da colecção doada pelo MJR, esta colecção passou a pertencer ao Município de Tavira, a partir do momento em que a doação foi aprovada em reunião de Câmara de 21/07/1999 com a proposta nº546/99/CM.
3 – Objectos e o seu contexto de uso – Uma reflexão antropológica
Quando observamos objectos que estão em exposição nos museus não nos apercebemos da grandiosidade da mensagem que estes nos transmitem. Neles está incutido a história de vida de alguém que se dedicou a um ofício, que descrevia a sua actividade através dos objectos com que trabalhava e que ao doá-los a um Museu espera que as pessoas olhem para o espólio e consigam visualizar uma vida de trabalho, uma vida de exigência profissional e uma vida de aprendizagens.
A realização de uma investigação num museu proporciona-nos uma visão simbólica acerca da cultura de um determinado povo, preservando a sua memória através da divulgação da “materialização da identidade local” pois, o espólio em exposição contribui para a ilustração da vida social e cultural de uma localidade (Charrua, 2000).
“A etnologia sempre devotou um certo interesse aos meios técnicos, aos instrumentos de trabalho e aos modos do senso prático. Uma parte dos objectos reunidos nas colecções e nos museus provinha desse mesmo aspecto, tendo a técnica comparada sido uma das sub-disciplinas mais activas. A perspectiva arqueológica e pré-histórica apoia essa orientação, sublinhando a hominização e a invenção de utensílios. Contudo, essa curiosidade quase naturalista (inventariar, descrever os fabricos e as utilizações) manifestava um estado de espírito mais positivista, que determinava os desempenhos sociais e culturais na medida da adaptação ao meio e da eficiência dos meios colocados em obra. É necessário passar-se a uma perspectiva mais global, onde o utensílio já não aparece apenas como um dos objectos de melhoramento das relações com a natureza, onde saberes e sentido prático se inseriram em mecanismos sociais ou mesmo políticos ou rituais” (Leroi-Gourhan in Copans, 1999: 72).
A relação que nós, investigadores, devemos ter com os objectos que são colocados em exposição não é somente a de ser um mero observador e de descrever a sua utilidade mas também a representatividade destes objectos para a população que os utilizou. Cabe-nos, através de memórias da população, dar voz aos objectos para que os mesmos nos retratem um passado longínquo com raízes no presente.
Para dar seguimento a esta ideia foi necessário estabelecer contacto com a população para quem estes objectos faziam/fazem parte do quotidiano e tentar absorver o máximo de informação possível que permita retratar um passado que se encontra reservado na memória das gentes.
Assim, a colecção de pesos e medidas interliga-nos aos comerciantes, utilizadores dos instrumentos de medição nas transacções comerciantes, e aos aferidores, funcionários do Estado que pretendem garantir a honestidade das transacções comerciais.
O espólio existente no Museu da Terra mostram-nos que na altura do Sr. MJR, entre 1941 e 1983, os comerciantes procuravam conseguir um maior lucro nos seus negócios transaccionando os seus produtos com instrumentos de medição alterados. Exemplo disso é uma medida de capacidade (Figura 6) existente no museu que foi construída através da reciclagem de uma lata, visto que o exterior da medida apresenta a publicidade de um xarope e no seu interior apresenta um fundo falso, a meio da medida, ou seja, esta medida dispõem de dois fundos, enganando assim o publico que é roubado na quantidade.
Para além desta medida encontramos pesos com uma capacidade incorrecta, ou seja apresentam a inscrição 1kg e têm uma capacidade inferior ou superior a esse peso.
Quando a sua capacidade é inferior à representada na inscrição, os clientes pagam uma quantidade que não levam para casa.
Assim, a observação dos objectos do museu permitiu-me ir para o terreno com o intuito de observar o contexto de uso dos instrumentos de medição e as ilegalidades cometidas pelos comerciantes, bem como as relações estabelecidas com os aferidores.
VI - Os comerciantes perante a aferição: duplicidades, estratégia e resistências
Este estudo evoca uma descrição minuciosa da estrutura social do Mercado Municipal, que nos remete para uma exposição das relações estabelecidas no interior deste espaço. São vários os intervenientes para o funcionamento deste espaço: compradores, vendedores, Fiscais do Mercado e a Direcção Regional de Economia do Algarve (DREALG). Geralmente os interesses destes grupos são distintos, visto que os comerciantes procuram obter o máximo lucro com as suas vendas, os compradores, por sua vez, procuram os produtos a baixo preço, os Fiscais do Mercado têm o dever de receber o pagamento do aluguer das bancas, verificar se os corredores se encontram limpos e verificar o modo como os produtos são transaccionados, e os Inspectores da DREALG, por sua vez, procuram manter a honestidade nas transacções comerciais, verificando se os instrumentos de medição cumprem, ou não, as normas legais.
Estes últimos dois grupos funcionam como instituições com funções administrativas, económicas e jurídicas, cujo dever consiste em transmitir as normas, aplicar as sanções correspondentes e verificar se a legislação é posta em prática.
No entanto, a fraudulência continua a existir nas transacções comerciais, enganando assim os clientes desatentos e desconhecedores da legislação imposta sobre os pesos e medidas e sobre a venda dos produtos.
1 - Relações comerciantes/aferidores Municipais
A aferição, desde 1861, passou a ser assegurada pelos aferidores da Câmara Municipal que tinham o dever de assegurar se a legislação imposta pelo Estado, referente à inspecção de pesos e medidas, estava a ser seguida.
No passado, o aferidor era um elemento conhecido pelos comerciantes, com quem eles interagiam constantemente. Assim, quando o aferidor MJR tinha que se dirigir em serviço para as aldeias mais distantes do concelho, acabava por repousar na casa dos comerciantes, permanecendo hospedado até finalizar a verificação de todos os pesos e medidas da freguesia.
A relação estabelecida entre os comerciantes e os aferidores do concelho era mais próxima pois, a alcunha de “Manuel Aferidor”, utilizada pelos comerciantes mais antigos, quando se referem a MJR, assim o demonstra. Actualmente, quando questionados sobre a última aferição, os comerciantes referem que esta verificação foi feita por um “homem alto e por uma mulher”.
Um comerciante que se encontra neste ramo há mais de 16 anos, mencionou que conheceu o Manuel Aferidor e que só teve problemas com as suas balanças quando estas passaram a ser aferidas pelos Inspectores da Direcção Regional da Economia do Algarve. Segundo ele, os Inspectores foram os responsáveis pela danificação da sua balança. Referiu que mais comerciantes se queixaram das suas balanças após a verificação realizada por esta entidade e que achava que a aferição só servia para lhes retirar dinheiro do bolso, e que portanto era dispensável21. (Comerciante, Homem, 81 anos)
No entanto, apesar dos comerciantes terem uma relação mais próxima com os aferidores municipais, estes não deixaram de recolher instrumentos de medição inventados e forjados pelos comerciantes, os quais se encontram agora em exposição no Museu da Terra de Tavira.
Todavia, os fraudulentos sempre existiram e o facto dos aferidores avisarem previamente o dia da verificação ajuda a prevenir as fraudes.
…eles (os comerciantes) sabiam mais ou menos as datas em que ele (o Sr. MJR) aparecia e nessa altura é que os clientes podiam lá ir (visto que os comerciantes acabavam por ser mais honestos nas suas relações com o público). De contrário… (Irmã do Aferidor, 75 anos)
Entre 1945 e 1983, altura em que a aferição, no concelho de Tavira, era realizada pelo Sr. Manuel de Jesus Ribeiro, para além da utilização de medidas ilegais, os comerciantes ultrajavam os clientes com o uso de papéis sobre as balanças, através da utilização das mãos para rasourar as medidas de capacidade, fazendo uma cova nos cereais, colocando os produtos de forma mais brusca sobre as balanças para que aumentassem o peso e interrompendo as oscilações, visto não terem uma medição rigorosa.
2 - Relação comerciantes /Inspectores da DREALG
Em Outubro de 2005, questionei os comerciantes sobre a importância da figura do aferidor nas transacções comerciais. Assim não obtive respostas muito claras, visto que os comerciantes referiam que os instrumentos deveriam ser verificados para ver se os mesmos estavam a fazer as medições correctas, caso contrário poderia resultar em prejuízo para os próprios.
Acho que é necessário aferi-las, porque se a balança não estiver certa pelo menos eles acertam-na. (Comerciante, Mulher, 52 anos).
Assim a única coisa de que se queixavam na altura, era o preço elevado que os Inspectores levavam para verificarem os instrumentos de medição22.
No entanto, nem todos os comerciantes concordam com a aferição, queixando-se do preço e do modo como os inspectores tratam os seus instrumentos de medição. Assim, tentam ocultar a existência de fraudes no mercado com comentários como: é a lei e não se pode fazer nada senão respeitá-la23.
Porém, a situação é bem diferente. Os comerciantes procuram obter um maior lucro através dos poucos produtos que conseguem vender e caso adoptem uma postura legal, o capital conseguido pode não permitir ao comerciante o pagamento das contas que essa actividade lhe acarreta. Deste modo, esta transgressão vai ao encontro das necessidades e das condições de vida com que os comerciantes são confrontados.
“(…) a transgressão de uma norma aceite por comum acordo. Empregue em seguida a caracterização daqueles que transgridem as normas e procura, nas suas personalidades e condições de vida, os factores susceptíveis de dar conta da transgressão. Esta perspectiva pressupõe que aqueles que transgridam uma norma constituem uma característica homogénea, porque constituíram o mesmo acto desviante (…) Há acção colectiva no sentido em que cada qual age «com um olho sobre o que os outros fazem, estão em vias de fazer ou são susceptíveis de vir a fazer no futuro» ” (Becker in Coupenhaudt, 2003:81; 89).
A verificação realizada pelos Inspectores da DREALG aos instrumentos de medição é mais uma despesa com que estes comerciantes são confrontados. Assim, devido ao custo que esta verificação acarreta aos mesmos e o facto de poderem ser alertados devido à venda de produtos que não estão inseridos nas normas legais estabelecidas e à utilização de sistemas de medidas que foram proibidas pelo sistema metrológico, parte dos comerciantes ausentam-se do mercado durante a inspecção. Porém, existe uma dualidade de discursos, relativamente ao aviso prévio do dia de inspecção dos instrumentos de medição. Assim, como referiu Sacramento24, sempre que fazemos trabalho de campo deparamo-nos com inúmeras ambiguidades e paradoxos nos discursos dos nossos informantes. Enquanto que os Inspectores da DREALG referiram que este aviso era transmitido aos fiscais do mercado que, posteriormente, avisariam os comerciantes mas, os fiscais do mercado, por sua vez referiram, que os Inspectores apareciam de surpresa, provocando o abandono das bancas e a repulsa dos inspectores.
Os mercados municipais são uns dos locais mais problemáticos para o inspector. As pessoas recebem-nos com frieza, mencionando o facto dos aferidores estarem a prejudicar as suas vendas, visto que esta actividade não pode ser efectuada sem o seu instrumento de medição, que funciona como o intermediário das transacções comerciais.
3 - Relações de poder no Mercado Municipal de Tavira
A minha interacção com os comerciantes do Mercado Municipal, permitiu-me descrever a existência da obediência e simultaneamente desobediência destes, a determinados grupos profissionais, como os Fiscais do Mercado e Inspectores da Direcção Regional de Economia do Algarve. Estas duas classes funcionam como funcionários do Estado, que fiscalizam o cumprimento da legislação que abarca os pesos e medidas e recebem os impostos pagos pela ocupação do espaço no Mercado Municipal25. Porém esta obediência é visível durante a presença dos mesmos, em que os comerciantes adoptam a construção de um modelo socialmente aceite pelas classes dirigentes e, durante a sua ausência, persistem no modo tradicional de transaccionar os produtos. Segundo Becker (1966), o facto dos indivíduos poderem pertencer a mais que um grupo social pode fazer com que estes, à medida que obedecem às normas sociais de um grupo, desobedeçam simultaneamente a um outro grupo. Exemplo disso é o facto dos comerciantes, quando obedecem às normas sociais existentes no mercado municipal, estarem a desobedecer às normas legais estabelecidas pelo Estado. Assim, os seus comportamentos podem ser considerados como desviantes quando vistos pelos Inspectores da DREALG e como normas do ponto de vista social.
“A society has many groups, each with its own set of rules, and people belongs simultaneously. A person may break the rules of one group by the very act of abiding by the rules of another group.” (Becker, 1966:8)
Deste modo, é visível a dualidade dos papéis desempenhados pelos comerciantes, a resistência à mudança e simultaneamente a obediência à legislação imposta pelas instituições. Para Foucault (2004:XIV), as relações de poder criam a possibilidade de haver uma resistência a esse poder pois, o poder não priva a oposição e simultaneamente a tentativa de modificar a sua dominação em determinadas condições e segundo uma estratégia precisa.
As pessoas não se recusam a aferir os instrumentos de medição quando são confrontados com a presença dos inspectores. Amiúde recusam-se, é a utilizar os instrumentos aferidos para comercializar os seus produtos ainda que, na altura da aferição, apresentem esses mesmos instrumentos como aqueles que quotidianamente utilizam. Esta situação é claramente elucidada pela nota de campo que se segue, embora se refira ao passado e a uma actividade que não integra o meu contexto de estudo mais imediato:
O moleiro era pago consoante as moagens que fizesse, sendo o pagamento feito através de maquias, uns instrumentos de medição paralelipipédicos com uma pega. Quando o aferidor se dirigia ao moinho para aferir os instrumentos de medição, em vez da maquia encontrava uma balança, a qual era aferida mas não era utilizada para aquele fim. (Diário de Campo, Cachopo, 1/03/2006)
O mercado é regulado pela tradição, na medida em que assimila as condições tradicionais da troca. No entanto, não existe uma obrigatoriedade em seguir estas normas sociais mas, o hábito, no qual os actores económicos estão interiorizados origina o conformismo a estas normas, em prole de uma maior procura pois, como referiu Durkheim (in Raud, 2003:5) “fora dessa pressão organizada e definida que o direito exerce, há uma outra que vem dos costumes. Na maneira como celebramos nossos contratos e como executamos, somos obrigados a nos conformar com regras que, por não serem sancionadas, nem directa, nem indirectamente morais, e que no entanto são bastante estritas”.
Quando os indivíduos são confrontados com as normas de um grupo, eles adoptam uma postura que vai ao encontro das normas sociais desse grupo. Assim, os indivíduos alteram os seus comportamentos consoante as circunstâncias em que o grupo se encontra inserido, evitando as repreensões por parte dos restantes.
No Mercado Municipal de Tavira ainda são vendidos cereais ao litro, medidos em medidas de capacidade de folha e de madeira, as quais deixaram de ser permitidas na década de 90. O Regulamento de Aferição da Câmara Municipal de Sabugal refere que aqueles que vendam por medida castanhas, batatas, figos secos, nozes e, em geral, todos os géneros que não possam ser rasourados estão a transgredir a lei, podendo este acto ser punido com a coima de 2,50€ a 2,500€. Assim, é decretado que as azeitonas deverão ser comercializadas através da pesagem em balanças26.
Na prática não são permitidas (referindo-se às medidas de capacidade) porque hoje em dia todos os estabelecimentos têm balanças para pesar os produtos. Ora a lei diz que havendo pesagem, as medidas têm de ser retiradas de utilização. Ou seja, ao permitir o seu uso nos demais estabelecimentos (os que não têm balanças) está a dizer que não as há… (António Cruz, Director do Departamento de Metrologia do IPQ)
Face a isto, a atitude do comerciante pode ser socialmente aceite, uma vez que vai ao encontro das normas sociais estabelecidas pelo grupo e, simultaneamente desviante, uma vez que, do ponto de vista legislativo, os comportamentos adoptados no mercado municipal opõem-se às normas institucionais. Becker (in Campenhoudt, 2003) refere que os indivíduos estão sujeitos à interacção social com divergentes autores, indo as suas atitudes ao encontro das interacções entre diferentes agentes. Exemplo disso, é o facto dos comerciantes adoptarem uma postura diferente na presença dos Inspectores da DREALG, ocultando, caso tenham oportunidade, os pesos e medidas tradicionais.
A tenacidade da utilização das medidas de capacidade, segundo os utilizadores, não decorre da obtenção de um maior lucro, mas da ligação que eles têm com estes instrumentos de medição e com essa forma tradicional de transaccionar os produtos.
Muitos comerciantes possuem essas medidas há décadas, tendo sempre comercializado produtos como azeitonas, tremoços e caracóis ao litro e, por isso, consideram não haver motivo para o deixarem de fazer visto que, segundo eles, essas medidas são mais resistentes e rigorosas do que as balanças, actualmente utilizadas para comercializar qualquer tipo de produto. Porém, estas medidas quando amolgadas, levam uma quantidade inferior ao litro.
O Sr. J. é comerciante há 30 anos, utilizando as medidas de capacidade de folha para a comercialização de azeitonas. Possui medidas com mais de 50 anos, as quais eram utilizadas pelo seu pai, que também era comerciante. Estas medidas mostram a sua idade através das marcas de aferição que possuem no seu corpo. Este comerciante sempre comercializou as azeitonas ao Litro e referiu-nos que desconhecia a sua correspondência em quilogramas.
Quando abordou o tema da aferição, lembrou-se do período em que o aferidor se dirigia à casa dos comerciantes para verificar os instrumentos de medição. (Diário de campo, 28/04/06).
Weber define este comportamento como uma “acção tradicional”, visto que o indivíduo obedece a acções enraizadas no hábito, costumes e crenças transformadas numa segunda natureza, que vão ao encontro dos reflexos adquiridos pela prática27. Deste modo, torna-se difícil exercer uma actividade cujos instrumentos de medição estão interligados com a actividade exercida ao longo de uma vida, isto no caso de alguns comerciantes mais idosos, e alterar a forma de transaccionar os produtos. Daí a que os comerciantes continuem a utilizar os instrumentos de medição tradicionais.
Um comerciante que vende cereais aos fins-de-semana no Mercado Municipal, comercializados ao litro, explicou-nos o porquê de utilizar esta forma de transaccionar os produtos. Passo a citar:
Eu só venho para o Mercado ao sábado, passo a semana a lavrar e cultivar as terras para chegar ao fim-de-semana e ter algo para vender. É o único sitio em que eu posso fazer algum dinheiro… Comprar novas balanças para quê? As medidas que utilizo são tão rigorosas como as balanças»
(Comerciante, Mulher, 55 anos).
Outro motivo que origina essa persistência, segundo os utilizadores, é o facto de não quererem/poderem investir em novos instrumentos de medição. Muitas vezes, o tempo disponibilizado pelos comerciantes para a realização desta actividade, também não o justifica.
Todavia, existe outra versão que nos foi transmitida no mercado, que não vai ao encontro do hábito mas sim, do lucro que a venda ao litro lhes dá.
Neste mercado há de tudo, comerciantes que vendem produtos sem rótulos, feitos pelos próprios comerciantes em casas desadequadas para o fabrico desses produtos, vendidos em frascos que já tiveram uma utilização anterior. Utilizavam boiões de Tofina (café), de comida para bebés (…). Por vezes os produtos são comprados a pessoas da serra cuja qualidade e higiene é duvidosa. Pessoas que retiram o rótulo quando o prazo de validade dos produtos já expirou, venda da alface à unidade (ao molho), venda de azeitonas e tremoços ao litro, em medidas que já não são permitidas e os compradores são os responsáveis por isso. Eu já vendi azeitonas e tremoços ao quilo e para poder tirar algum lucro tinha que vender o quilo mais caro do que o litro e as pessoas optavam por comprar nas bancas que vendiam ao litro. Pensavam que na minha banca esses produtos eram mais caros. Não sabem é que um litro de azeitonas equivale a 750 gramas, eu própria já verifiquei. As pessoas preferem os produtos cujo preço parece ser mais apelativo e não se apercebem que estão a ser enganados. Isso fez com que eu tivesse abandonado a venda desses produtos. Os restantes comerciantes não aceitaram bem o facto de eu não transaccionar os produtos da mesma forma, nem a minha maneira de ser, directa e espontânea e foi necessário ter capacidade de resistência para ficar a trabalhar no mercado.
(Comerciante, Mulher, 33 anos)
Assim, há uma resistência à legislação imposta pelo Governo, uma vez que as normas em vigor não são aceites socialmente e cujo hábito, por parte dos indivíduos a quem a legislação é imposta, implica uma difícil acomodação ao novo regulamento, facilitando assim a sua transgressão. O facto dessa transgressão ser socialmente compreensiva origina a ocultação dos terceiros face a essa transgressão. Essa ocultação origina as limitações das autoridades na defesa da legislação pois, “para que as normas fossem efectivamente respeitadas seria necessário que certas pessoas se resolvessem a seguir os culpados e que outros tivessem razão para chamar a atenção dos primeiros relativamente ao comportamento desviante. Se estas condições não se cumprem, as normas e as regras permanecerão formais, transgredidas impunemente em função de um comum acordo geralmente implícito” (Becker in Coupenhaudt, 2003:87).
O facto de haver em grande parte das bancas do Mercado Municipal, produtos ou instrumentos de medição que não respeitam as normas legais estabelecidas pelo Governo, origina a omissão das ilegalidades cometidas por terceiros nas transacções comerciais.
Aqui todos cometem actos ilegais. Até eu cometo actos ilegais. Isto por exemplo é ilegal (referia-se ao facto de dividir pevides por sacos). Não têm rótulo e todos os produtos têm que ter rótulos. Se fossem a expulsar do mercado todas as pessoas que cometessem ilegalidades isto ficava vazio. (Comerciante, Mulher, 33 anos).
Esta comerciante trabalha no mercado há 6 anos. Quando entrou foi obrigada, pelos Inspectores da DREALG, a comprar uma balança mecânica e, devido à sua idade C., ao contrário dos comerciantes mais antigos, está aberta à inovação, adaptando-se aos actuais instrumentos de medição. Porém aos comerciantes mais antigos, uma vez que muitos deles são iletrados, é permitido a utilização de instrumentos de pesagem tradicionais. Actualmente, os comerciantes que entram no ramo são obrigados a se adaptar aos progressos técnicos, utilizando máquinas que tornam as transacções comerciais mais rigorosas e eficientes.
Actualmente, esta comerciante abandonou a venda de cereais e leguminosas pois, a venda desses produtos fez com que os comerciantes não a aceitassem bem no mercado e como a própria diz:
No mercado, as mulheres fazem feitiçaria contra os comerciantes que vendem mais e eu já fui vítima da feitiçaria delas. (Comerciante, Mulher, 33 anos)
Esta comerciante foi confrontada com os valores e princípios que eram preservados pelos comerciantes mais antigos do mercado e, para que a sua adaptação fosse menos penosa, ela procurou vender algo alternativo – produtos tradicionais, como licores, mel, bolos regionais, doces e frutos secos – procurando não alimentar a repulsa dos comerciantes. A sua interacção com os trabalhadores do mercado implicou o respeito pelos valores, propósitos e interesses pessoais, que Weber e Durkheim, designam de “campo de significações”. Segundo eles, “essas significações existem na medida em que se manifestam na subjectividade de indivíduos e se modificam através da interacção de indivíduos ou actores com orientações subjectivas” (Weber e Durkheim in Rowland, 1997: 31).
Para Durkheim, o social implica a inserção do indivíduo numa comunidade através de normas e valores morais e, deste modo os comportamentos individuais devem ir ao encontro das regras instituídas pela moral da comunidade (Durkheim in Rowland, 1997: 31). No caso dos comerciantes adoptarem comportamentos alternativos, que fazem frente às normas sociais incutidas num determinado meio social, origina a dificuldade da sua integração no meio, visto que os seus comportamentos podem ser vistos como desviantes, visto que não são moralmente aceites (Becker in Campenhaudt, 2003:79).
Muitas vezes, as normas sociais defendidas pelos comerciantes mais velhos no mercado acabam por prevalecer sobre o saber actual. Assim, é visível uma resistência, por parte dos comerciantes e simultaneamente dos frequentadores do Mercado municipal, às novas formas de transacção comercial. Exemplo disso é o facto da C. ter abandonado a venda das azeitonas ao Quilo, a forma legal de transaccionar esse produto, uma vez que os comerciantes e os clientes insistem nas transições deste produto ao Litro, recusando assim os métodos actuais e simultaneamente legais.
Face a este exemplo verificamos que as ilegalidades no mercado não devem ser consideradas como “desviâncias” visto que o comportamento assumido por grande parte dos comerciantes, opõem-se à legislação em vigor, mas são socialmente aceites e por vezes incentivados pelos compradores. Becker considera que um comportamento só é desviante quando é tido como incorrecto pela sociedade em que decorre. (Becker in Campenhoudt, 2003:79).
É possível considerar o comerciante como um infractor, do ponto de vista legal, mas não o é do ponto de vista social. Tal como refere Title em concordância com Xiberras, “nenhum comportamento é universal ou inerentemente desviante; pode ser desviante para determinado meio mas não para outro; pode ser desviante em determinado momento e não noutro, no interior de um mesmo meio; e pode ainda ser desviante para alguns indivíduos no meio mas não para outros. Sendo assim, praticamente qualquer comportamento pode ser desviante, e qualquer comportamento é simultaneamente conformista e desviante”28.
Os comerciantes, inconscientemente, incentivam o método tradicional de transaccionar os produtos, visto que preferem comprar azeitonas ao litro do que ao quilograma, por pensarem que esta última medida é vendida a um preço mais elevado. Assim, esquecem-se de que “não há medida mais correcta do que o Quilo”29.
Os Fiscais do mercado referiram que a DREALG não implicava muito com os instrumentos tradicionais utilizados pelos comerciantes mais antigos pois, parte deles são pessoas iletradas e deste modo, seria difícil para os mesmos se adaptarem aos novos instrumentos de medição.
Outros instrumentos de medição que passaram a ser ilegais nas transacções comerciais foram os pesos hexagonais, proibidos desde 1996. Estes instrumentos de medição apresentam um orifício na base, preenchido com chumbo. Quando os comerciantes pretendiam deturpar a medida, com o intuito de obter um maior lucro, retirava-lhe o chumbo e o manuseio da argola também era uma forma de manipular as medições (ver figura 7). No entanto estes pesos ainda continuam a ser utilizados nas balanças de conchas.
Figura 7 – Peso hexagonal na imagem da esquerda e balança de conchas na imagem da direita
As pessoas alteravam os pesos, colocando ou retirando chumbo. Os pesos eram todos apreendidos. Aqui no mercado (Mercado Municipal do Município) cheguei a apanhar vários. Pesos grandes, de quilo e isso… (Último aferidor do Município)
Porém, independentemente dos Inspectores da DREALG enviarem um comunicado para o Mercado Municipal com o intuito de informar os comerciantes do dia em que os instrumentos de medição seriam verificados ou não, a reacção dos comerciantes, visível na seguinte citação que explica o porquê dos Inspectores rejeitarem a ideia dos sistemas de medida ilegais continuarem a ser utilizadas.
Os inspectores entram sempre pela mesma porta. Quando entram, a notícia começa logo a correr o mercado, chegando a todas as bancas antes dos inspectores. As pessoas guardam os instrumentos de medição ilegais e os produtos sem rótulo por debaixo da bancada. Algumas pessoas, quando sabem que o inspector se encontra no mercado colocam um pano sobre a sua banca, pegam na mala e abalam… (Comerciante, Mulher, 32 anos)30.
Para os inspectores, as principais infracções estão relacionadas com o facto das pessoas colocarem papéis sobre as balanças para evitarem o contacto dos alimentos com detritos, ou a colocação de objectos de porte pequeno por debaixo dos pratos das balanças, sendo acrescentadas algumas gramas aos géneros, o que a longo prazo resulta em lucro.
Apanhei um senhor que tinha um instrumento automático em prata e, tinha a concha de taros por baixo… Ele (o comerciante) colocava moedas de 25 escudos, que era o mais pesado que tinha na altura, por debaixo dos pratos. (Último aferidor do Município, 52 anos)
4 - Relações estabelecidas entre os comerciantes
Durante a pesquisa de terreno os comerciantes procuraram evitar comentários referentes aos seus colegas de trabalho, ocultando as rivalidades existentes devido à concorrência de preços e à imitação dos produtos vendidos, transmitindo-nos uma imagem fictícia da interacção social entre os comerciantes deste mercado. Assim, apesar do convívio e interacção quotidiana, todos eles têm o mesmo objectivo, conseguir o lucro individual.
No entanto, os comerciantes agem de forma a conseguir a estabilidade social no mercado, interagindo com os diferentes intervenientes do funcionamento do mercado, como os Fiscais, os clientes e os colegas do mercado, proporcionando aos visitantes a ideia de que a “solidariedade mecânica” predomina neste espaço. Assim, a ajuda mútua, visível nas relações entre os comerciantes, afastam-nos da ideia de que neste espaço possam existir rivalidades. Porém, nem todos os comerciantes conseguem os mesmos lucros e isso gera “invejas”31.
Existe um comerciante neste mercado que já vendeu para imensas entidades e deixou de o fazer devido à dificuldade que sentiu em abastecer todas estas entidades nos horários estabelecidos. Actualmente ficou somente com a Cruz Vermelha, representada no mercado por duas mulheres que se dirigem diariamente a este espaço para comprar os legumes do Sr. M.J.
Só esta entidade deixa diariamente cerca de 100€ na banca do Sr. M.J. e este acaba por ser um dos comerciantes do mercado que consegue obter um maior rendimento nas transacções comerciais. Assim, comentários por parte dos outros comerciantes, que se sentem lesados por não terem uma procura tão grande, surgem, em tom de brincadeira, quando este está rodeado pelos clientes habituais. Esta situação começa a ser notória para alguns clientes que comentam as frases dirigidas a este comerciante: Então Sr. M. as clientes não o largam!
Com o prolongamento da minha investigação, as pessoas mudaram a imagem ilusória que me tinha sido transmitida até então e, confirmaram a existência de confrontos, visto que nem todos os comerciantes respeitavam o espaço colectivo.
O que me revolta é as pessoas utilizarem os corredores para colocarem as mercadorias. (Comerciante, Mulher, 48 anos)
Segundo eles, os Fiscais alertam os comerciantes para manterem os corredores limpos e, o facto de certos comerciantes colocarem caixas com mercadoria nos corredores, para aumentar o poder de venda, mostrava o desrespeito pelas normas sociais construídas pelos actores económicos do Mercado. Este acto demonstra um desrespeito pelos Fiscais e pelos restantes comerciantes. Portela (1985:32) refere «que a par de sinais de “tradicionalismo” e “comunitarismo” se manifestam vivamente traços de um “modernismo” e “individualismo” ferozes. A par de uma ética de solidariedade vicinal e comunitária, ocorre uma outra baseada no “salve-se quem poder”».
Os comerciantes em idade activa criticam o facto das pessoas idosas continuarem a exercer esta actividade, dado que os mesmos recebem as reformas do estado e não pagam impostos. Face a isto são vistos pelos comerciantes mais novos como rivais e pessoas prejudiciais para o seu negócio, uma vez que elevam o nível de competição de preços e afastam os comerciantes cuja competição deixa de ser possível.
Se eu estivesse reformada não trabalhava no mercado. Quando eu me reformar pego nas minhas coisas e vou aproveitar a minha velhice. Não entendo porque é que os reformados continuam a trabalhar num local que já não dá nada, só se for para prejudicar aqueles que, como eu, precisam do dinheiro. Os reformados não pagam impostos, não pagam caixa, e cultivam o que vendem. Assim, as pessoas preferem-lhe comprar os produtos a eles, que vendem mais barato. Nós estamos aqui, não é para passar o tempo, como eles. Eu preciso do dinheiro para pagar a renda de casa e ajudar os meus filhos. Tem ai uma velha que mal se arrasta, parece uma mendiga mas é a comerciante mais rica do mercado. Ela enche a neta de coisas. Havias de falar com ela. Ela até faz descontos, porque é tudo lucro para ela… (Comerciante, Mulher, 32 anos)
Um dos princípios deste Mercado ao contrário de outras realidades por mim conhecidas, não é prática frequente a utilização do pregão, ou seja, atrair os clientes com a finalidade da compra dos seus produtos, que normalmente acontece com frases simpáticas e de chamamento realçando a qualidade e o preço dos seus produtos. Porém, existem os desviantes, que quando vêm um alvo, aproximam-se discretamente e, como geralmente conhecem o poder de compra e os produtos desejados por estes, referem o preço dos produtos e a possibilidade de fazerem descontos. Fazem-no de uma forma discreta porque têm medo de ser alvo de feitiçarias e mau-olhado por parte dos outros comerciantes.
Eu não sei porque é que é que elas têm inveja de mim. Eu não tenho nada, tenho um carro a cair de tão velho que é (risos). Eu até tenho aqui a minha planta conta o mau-olhado (mostrando um galho de uma arvore que dizem afastar as bruxas e as invejas). Elas não gostam de pessoas diferentes no mercado e eu destabilizo isto tudo. Sou como sou, sou directa, espontânea, alegre, não ando cá a dizer as coisas pelas costas. Quem gosta, gosta. Por isso é que o negócio não me corre. Bruxas (riu-se). Aqui há muita inveja e eu sou uma vítima desse mau-olhado.
Considerações finais
Esta tese é o produto final do meu estágio curricular, que se iniciou no momento em que fui inserida na instituição de acolhimento e no projecto de investigação no qual iria participar, designado de “Museu da Terra” que se prolongou até completar os 9 meses de estágio.
A instituição de acolhimento pretendia que eu inventariasse três colecções representativas de três ofícios tradicionais da região – A arte do Latoeiro e do sapateiro e o ofício do Aferidor de Pesos e Medidas. Assim, durante este período, dediquei parte do tempo a inventariar as colecções mais extensas do Museu, que me limitaram, em muito, o trabalho de terreno. Inicialmente questionei-me sobre o verdadeiro trabalho de um antropólogo no museu, uma vez que fui orientada para os objectos e não propriamente para os seus utilizadores e não tive qualquer ajuda da instituição nesse sentido pois, apesar dos seus representantes citarem o Dr. Pais de Brito através da frase “os museus são uma forma de dar voz às pessoas”, estes não sabiam como pôr essa teoria em prática.
Assim, este estágio alertou-me para a luta que nós, antropólogos, temos que travar no mundo profissional e para a qual eu não tive forças para lutar, submetendo-me a um poder coercivo que pretendia acelerar o processo de inventariação das colecções e não propriamente em estabelecer a relação entre os objectos estudados e a sua realidade social e cultural e deste modo “dar voz aos objectos”.
Face a tudo isto foi difícil estabelecer uma ligação entre os objectivos da Câmara e os meus próprios objectivos e a única forma era conseguir estabelecer uma ponte entre os objectos e o seu contexto de uso.
Inicialmente pensei em caracterizar o ofício do aferidor (individuo que verifica a fidelidade dos instrumentos de medição utilizados nas transacções comercias) no Município de Tavira.
Com esta intenção comecei por entrevistar o último aferidor do concelho, apercebendo-me de imediato que, se percorresse este caminho, a minha investigação estaria limitada visto que só existia um aferidor vivo no concelho e poucas eram as pessoas que tinham conhecimento desta profissão.
Assim, fui conduzida ao Mercado Municipal de Tavira, um local onde os instrumentos de medição são mediadores das transacções comerciais e intermediários das relações sociais decorrentes neste espaço.
Os pesos e medidas, actualmente utilizados nos mercados municipais, e as formas de comercializar os produtos demonstram a obediência a um poder institucional, direccionado pelos Fiscais do Mercado e pelos Inspectores da Direcção Regional de Economia do Algarve (DREALG), e simultaneamente uma desobediência a este poder para agir em conformidade com os hábitos, costumes e tradições que regem os comerciantes e os frequentadores do mercado municipal.
As transacções comerciais neste mercado são muitas vezes baseadas em critérios socialmente construídos, interligados ao desejo de obter um maior lucro visível nas ilegalidades provenientes deste meio, como é o caso da venda de produtos sem rótulo, produtos cultivados e produzidos pelos próprios comerciantes (legumes, frutas, azeitonas, mel, doces tradicionais, entre outros) que não têm qualquer comprovativo da sua qualidade e higiene.
Porém, a venda de azeitonas e tremoços ao litro, considerada como ilegal pela DREALG, é adoptada no Mercado Municipal de Tavira, visto que os compradores preferem este modo de transaccionar os produtos, equiparando o litro ao quilo. Desconhecedores de que um litro de azeitonas equivale a 750 gramas, incentivam este modo de transacção julgando ser mais rentável.
Através da pesquisa de terreno no Mercado Municipal de Tavira, verifiquei que os instrumentos de medição utilizados nas transacções, nem sempre obedecem às normas legais, como é o caso da utilização de pesos hexagonais e medidas de capacidade de folha e de madeira, proibidos desde 1990. Este comportamento, como define Becker (1966), tanto pode ser considerado “desviante”, quando descrito pelos Inspectores da DREALG, como “normal” do ponto de vista dos comerciantes. Os comportamentos “desviantes” são compreensíveis quando analisados pelos comerciantes, uma vez que os gastos enfrentados pelos mesmos - compra da banca, pagamento semanal pela sua ocupação, compra das mercadorias, prejuízo causado pelo apodrecimento dos produtos, entre outros gastos - justificam as fugas à legislação. Alguns comerciantes justificam esta fuga com a seguinte frase: se não se fugir um bocado à legislação como é que nós vamos conseguir pagar as contas?
Os comerciantes adoptam estratégias económicas que lhes permite obter capital para suportar as despesas que esta actividade acarreta. Assim, no mercado municipal de Tavira são vendidos produtos sem rótulo e sem comprovativo de qualidade, por vezes cultivados pelos próprios, produtos como azeitonas, tremoços e caracóis ao litro, medidos em medidas de capacidade de folha ou alumínio que, para além de já serem ilegais desde 1990, quando amolgadas não perfazem o litro. Face a esta situação, os Inspectores de Pesos e Medidas sentem-se limitados pois afirmam só ter poder para os alertar para a ilegalidade dos seus actos. Os inspectores são pessoas temidas e simultaneamente evitadas uma vez que a sua presença, segundo os comerciantes, implica o pagamento de um imposto para a utilização dos instrumentos de medição e, o facto de grande parte dos comerciantes não estar a transaccionar certos produtos de forma legal, faz com que estes temam a presença dos Inspectores e dos Fiscais do Mercado.
Por outro lado, os Inspectores não se assumem como uma autoridade mas sim como uma entidade que cumpre o seu dever, que é verificar e corrigir os instrumentos de medição, negando ter poder para intervir e aplicar coimas caso dos comerciantes desrespeitarem a legislação. Quando estes são confrontados com a utilização de instrumentos de medição ilegais, alertam os comerciantes para a necessidade de alterarem a sua forma de transaccionar os produtos. Porém, os inspectores tornam-se compreensivos face a certos comportamentos, como a venda de azeitonas ao litro, uma vez que este comportamento está assente no tradicionalismo e é incentivado pelo público, arrastado pela ideia de que a compra ao litro é mais rentável.
Neste caso, a ideia de poder de intervenção é arrastada sempre para terceiros e ninguém admite ter poder para intervir nas formas dos comerciantes transaccionarem os produtos. Os comerciantes consideram que os fiscais têm poder para impedir as transacções de produtos sem rótulo, a colocação de caixas nos corredores (algo que é proibido) e a venda de produtos por comerciantes que não respeitam as condições de higiene mas, segundo os fiscais, o seu papel é alertar os comerciantes para o seguimento das normas do mercado. Os Inspectores da DREALG afirmam só ter poder para aconselhar os comerciantes a retirarem as medidas ilegais, remetendo esse poder para a IGAI, uma Instituição das Actividades Económicas.
Esta negação do poder gera conflitos, uma vez que determinados comerciantes se aproveitam desta situação para conseguir um maior lucro individual, utilizando os corredores – espaço público - para aumentarem o seu poder de venda. Actos como este, de desrespeito às normas sociais construídas no Mercado Municipal de Tavira, são criticados pelos restantes e desabafos como ela desrespeita o espaço dos outros assim o demonstram.
As relações estabelecidas entre os comerciantes são baseadas na dicotomia cumplicidade/solidariedade versus rivalidade/concorrência, opondo-se aqui os interesses sociais aos interesses pessoais. A rivalidade surge através da concorrência de preços, sendo privilegiados aqueles que cultivam os seus próprios produtos e que, devido às suas idades, não fazem descontos para a segurança social, podendo assim competir com preços mais reduzidos. Os restantes, por sua vez, adoptam preços mais altos dado que a mercadoria comercializada é comprada a terceiros e precisam de obter lucros mais elevados para cobrir as despesas mensais.
A solidariedade surge na troca de favores entre as vizinhas das bancas e no secretismo que rege este mercado, sendo ocultadas as ilegalidades no mercado (manipulação dos instrumentos de medição e venda de produtos que não obedecem às normas legais de venda).
A problemática em análise nesta investigação foi formulada a partir dos objectos em exposição no Museu da Terra, uma vez que uma parte da colecção de pesos e medidas apresentava instrumentos de medição que não abrangiam as normas legais. Medidas de capacidade com fundos falsos e pesos hexagonais, representando uma capacidade que não corresponde à medida marcada, demonstram a adopção de comportamentos ilícitos por parte dos comerciantes no passado e questionam-nos para a possibilidade de ainda existirem estratégias comerciais seguidas pelos mesmos.
Face a isto, considero que os objectos são, sem dúvida, representações sócio-antropológicas, que justificam a necessidade de colocarem mais antropólogos a trabalharem nos museus.
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